Sinta a minha mão.”
Estava fria como um bloco de mármore.
“Você estará bem amanhã.”
“Acho que não vou conseguir tirar esse grito da cabeça. O que sugere que façamos agora?”
“Devemos voltar?”
“Não, diabos; saímos para pegar nosso homem e é o que vamos fazer. Estamos atrás do prisioneiro e um cão do inferno, provavelmente, está atrás de nós. Vamos, Watson. Vamos até o fim, ainda que todos os demônios do inferno estejam soltos na charneca.”
Avançamos devagar e aos tropeços pela escuridão, com o vulto negro dos morros íngremes à nossa volta, e o pontinho amarelo de luz brilhando firmemente diante de nós. Nada tão enganoso quanto a distância de uma luz numa noite escura como breu, ora o lampejo parecia estar muito longe no horizonte, ora a poucos metros de nós. Mas finalmente percebemos de onde ele vinha, e soubemos então que estava de fato muito próximo. Uma vela se derretia na fenda de rochas que a flanqueavam de cada lado, de modo a evitar o vento e também a impedir que fosse visível, exceto da direção do Solar Baskerville. Uma grande pedra de granito ocultou nossa aproximação, e agachados atrás dela fitamos o sinal luminoso. Era estranho ver aquela única vela ardendo ali no meio da charneca, sem nenhum sinal de vida nas proximidades — apenas uma chama ereta, amarela, e o brilho da pedra de cada lado dela.
“O que faremos agora?” sussurrou Sir Henry.
“Espere aqui. Ele deve estar perto da luz. Vamos ver se conseguimos avistá-lo.”
Essas palavras mal haviam saído da minha boca quando nós dois o vimos. Sobre as pedras em cuja fenda a vela ardia, projetava-se uma face amarela, maldosa, uma face terrível e bestial, marcada pelas paixões mais vis. Suja de lama, com uma barba eriçada e o cabelo desgrenhado, poderia ter pertencido a um daqueles selvagens que moravam outrora em tocas nas encostas. A luz sob ele se refletia em seus olhinhos astutos, que perscrutavam ferozmente à direita e à esquerda através da escuridão, como um animal matreiro e selvagem que tivesse ouvido os passos dos caçadores.

“Sobre as pedras projetava-se uma face amarela, maldosa.”
[Sidney Paget, Strand Magazine, 1901]
Evidentemente alguma coisa despertara suas suspeitas. Talvez Barrymore tivesse algum sinal privado que deixáramos de dar, ou o sujeito tivesse alguma outra razão para pensar que nem tudo estava bem, mas pude perceber o medo em sua face perversa. A qualquer instante ele poderia apagar a vela e desaparecer na escuridão. Assim, dei um salto adiante e Sir Henry fez o mesmo. De pronto o prisioneiro soltou uma praga e arremessou uma pedra que se estilhaçou contra o penedo que nos abrigava. Vi de relance sua figura baixa, atarracada, de compleição forte quando ele saltou em pé e se virou para correr. No mesmo instante, por um golpe de sorte, a lua despontou entre as nuvens. Corremos pela crista do morro, e lá estava o nosso homem descendo em grande velocidade pelo outro lado, saltando sobre as pedras com a agilidade de um cabrito-montês. Um tiro certeiro do meu revólver poderia tê-lo aleijado, mas eu só o trouxera para me defender se atacado, não para atirar num homem desarmado que fugia.

“Dei um salto adiante e Sir Henry fez o mesmo.”
[Richard Gutschmidt, Der Hund von Baskerville, Stuttgart: Robert Lutz Verlag, 1903]
Éramos ambos corredores velozes e estávamos numa forma razoavelmente boa, mas logo constatamos que não tínhamos nenhuma chance de alcançá-lo. Pudemos vê-lo por um longo tempo ao luar, até que tornou-se apenas um pontinho movendo-se rapidamente entre as pedras na encosta de um morro distante. Corremos até ficar completamente exaustos, mas a distância entre nós ficava cada vez maior. Finalmente paramos e sentamos ofegantes sobre duas pedras, enquanto o víamos desaparecer na distância.
E foi nesse momento que aconteceu algo estranhíssimo e inesperado. Tínhamos nos levantado de nossas pedras e estávamos nos virando para voltar para casa, tendo abandonado a caçada inútil. A lua estava baixa à direita e o cume denteado de um penhasco de granito erguia-se contra a curva inferior de seu disco de prata. Ali, numa silhueta tão negra quanto uma estátua de ébano contra aquele pano de fundo brilhante, vi a figura de um homem no cume. Não pense que foi uma ilusão, Holmes.
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