Asseguro-lhe que nunca em minha vida vi algo com tanta clareza. Até onde pude julgar, o vulto era de um homem alto e magro. Estava de pé com as pernas um pouco apartadas, os braços cruzados, a cabeça baixa, como se cismasse sobre aquele enorme deserto de turfa e granito que se estendia à sua frente. Poderia ter sido o próprio espírito daquele lugar terrível. Não era o prisioneiro. Estava longe do lugar onde este desaparecera. Ademais, era um homem muito mais alto. Com um grito de surpresa, mostrei-o para o baronete, mas no instante em que me virava para lhe agarrar o braço o homem desapareceu. Lá estava o pináculo agudo de granito ainda cortando a borda inferior da lua, mas nele não se via nenhum vestígio daquele vulto silencioso e imóvel.
Quis ir naquela direção e procurar o penhasco, mas ele estava a alguma distância. Com os nervos ainda palpitando com aquele uivo, que lembrava a tétrica história de sua família, o baronete não estava com disposição para novas aventuras. Não tinha visto aquele homem solitário sobre o penhasco, e não podia sentir o frêmito que sua estranha presença e sua atitude dominadora me haviam causado. “Um guarda, sem dúvida”, disse ele. “A charneca está cheia deles desde que esse sujeito fugiu.” Bem, talvez sua explicação fosse a correta, mas eu gostaria de ter mais alguma prova disso. Hoje pretendemos comunicar ao pessoal de Princetown onde o homem desaparecido devia ser procurado, mas foi um azar não termos tido realmente o triunfo de levá-lo de volta como nosso prisioneiro. Estas foram as aventuras da última noite, e você deve reconhecer, meu caro Holmes, que lhe fiz um excelente relatório. Muito do que lhe conto é sem dúvida um tanto irrelevante, mas ainda penso ser melhor transmitir-lhe todos os fatos e deixá-lo escolher por si mesmo os que lhe serão mais úteis, ajudando-o em suas conclusões. Estamos certamente fazendo algum progresso. No que diz respeito aos Barrymore, descobrimos o motivo de suas ações, e isso esclareceu bastante a situação. Mas a charneca com seus mistérios e seus estranhos habitantes permanece tão inescrutável como sempre. Talvez em meu próximo relatório eu seja capaz de lançar alguma luz sobre isso também. O melhor seria que você pudesse vir se juntar a nós. Em todo caso, você voltará a ter notícias minhas nos próximos dias.
X. EXTRATO DO DIÁRIO DO DR. WATSON
ATÉ AQUI PUDE CITAR os relatórios que enviei nesses primeiros dias a Sherlock Holmes. Agora, contudo, cheguei a um ponto em minha narrativa em que sou obrigado a abandonar este método e mais uma vez confiar em minhas lembranças, auxiliado pelo diário que mantive na época. Alguns trechos deste último me transportarão para aquelas cenas que estão indelevelmente gravadas em todos os detalhes na minha memória. Continuo, portanto, a partir da manhã que se seguiu à nossa perseguição malograda ao prisioneiro e às nossas outras estranhas peripécias na charneca.
16 de outubro. — Um dia nublado e nevoento, com um chuvisco. A casa está envolta em rolos de nuvens, que vez por outra se dissipam para mostrar as curvas monótonas da charneca, com finas veias de prata sobre as encostas dos morros e os penedos distantes lampejando onde a luz incide sobre suas faces molhadas. A melancolia reina fora e dentro.
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