Pareceu-nos ser um pós-escrito no fim da carta, e dizia: ‘Por favor, por favor, como é um cavalheiro, queime esta carta, e esteja no portão às dez horas.’ Abaixo vinham as iniciais L.L.”

“Tem essa tira?”

“Não, senhor, ela se esfacelou toda depois que a removemos.”

“Sir Charles já havia recebido outras cartas com a mesma letra?”

“Bem, senhor, eu não prestava especial atenção às suas cartas. Não teria notado essa, caso não tivesse chegado sozinha.”

“E você não tem ideia de quem seja L.L.?”

“Não senhor, nenhuma ideia. Mas creio que se pudéssemos pôr as mãos nessa senhora saberíamos mais sobre a morte de Sir Charles.”

“Não consigo entender, Barrymore, como pôde ocultar essa importante informação.”

“Bem, senhor, foi imediatamente após termos sido vítimas de nosso próprio infortúnio. Além disso, nós dois gostávamos muito de Sir Charles, como não podia deixar de ser, considerando tudo que havia feito por nós. Trazer isso à luz não podia ajudar nosso pobre patrão, e convém agir com cuidado quando há uma dama no caso. Até os melhores de nós…”

“Pensou que isso poderia conspurcar a reputação dele?”

“Bem, senhor, pensei que nada de bom poderia sair daí. Mas agora, que foi tão bondoso conosco, eu teria a impressão de estar sendo injusto com o senhor se não lhe dissesse tudo que sei sobre o assunto.”

“Muito bem, Barrymore; pode ir.”

Depois que o mordomo nos deixou, Sir Henry se virou para mim. “Bem, Watson, que pensa desta nova luz?”

“Ela parece deixar a escuridão mais negra que antes.”

“É o que penso. Mas se pudéssemos pelo menos localizar L.L. isso elucidaria todo o caso. Tivemos esse ganho. Sabemos que há alguém que detém os fatos, oxalá possamos encontrá-la. Que pensa que deveríamos fazer?”

“Informar Holmes de tudo isso imediatamente. Isso lhe dará a pista que vem procurando. Ou muito me engano, ou isso o trará para cá.”

Fui no mesmo instante para o meu quarto e redigi o relatório da conversa da manhã para Holmes. Era evidente para mim que ele andava muito ocupado ultimamente, porque os bilhetes que eu recebera de Baker Street haviam sido poucos e curtos, sem nenhum comentário sobre a informação que eu havia fornecido e praticamente nenhuma referência à minha missão. Sem dúvida seu caso de chantagem deve estar absorvendo todas as suas faculdades. Gostaria que ele estivesse aqui.

17 de outubro. — A chuva caiu o dia todo, fazendo a hera farfalhar e pingando dos beirais. Pensei no prisioneiro na triste, fria e desabrigada charneca. Pobre sujeito! Fossem quais fossem seus crimes, ele havia sofrido um pouco para expiá-los. Depois pensei naquele outro — o rosto no carro de aluguel, o vulto contra a lua. Estaria ele também lá fora naquele dilúvio — o vigia invisível, o homem das trevas? À tarde pus meu impermeável e fiz uma longa caminhada pela charneca encharcada, cheio de ideias sombrias, a chuva batendo no meu rosto e o vento assobiando nos meus ouvidos. Deus ajude os que vagam pelo grande charco agora, pois até os terrenos elevados estão se tornando um pântano. Encontrei o pico Negro sobre o qual vira o vigia solitário, e de seu topo íngreme contemplei eu mesmo o terreno ondulado e melancólico. Rajadas de chuva açoitavam sua face castanho-avermelhada, e nuvens pesadas, cor de ardósia, pendiam baixas sobre a paisagem, arrastando-se em espirais cinzentas pelas encostas dos morros fantásticos. Na depressão distante à esquerda, semiescondida pela neblina, as duas torres finas do Solar Baskerville elevavam-se acima das árvores. Eram o único sinal de vida humana que eu podia ver, com exceção apenas daquelas cabanas pré-históricas que se aglomeravam nas encostas dos morros. Em parte alguma havia o menor vestígio daquele homem solitário que eu vira ali mesmo duas noites antes.

Quando fazia o caminho de volta fui alcançado pelo dr. Mortimer, que dirigia seu dog-cart por uma acidentada trilha da charneca que levava à distante casa de fazenda de Foulmire.