Uma criança! Barrymore dissera que nosso desconhecido era abastecido por um menino. Fora com a pista deste, não com a do prisioneiro, que Frankland topara. Inteirando-me do que ele sabia eu poderia ser poupado de uma longa e tediosa caçada. Mas incredulidade e indiferença eram evidentemente minhas cartas mais fortes.
“Eu diria que é muito mais provável que seja o filho de algum pastor da charneca levando o almoço do pai.”
A menor aparência de oposição punha o velho autocrata em polvorosa. Lançou-me um olhar maligno e suas suíças grisalhas se eriçaram como as de um gato irritado.
“Ora, senhor!” exclamou, apontando para a vasta charneca. “Vê aquele pico negro lá longe? Bem, vê a colina baixa adiante, com um espinheiro em cima? Aquela é a parte mais pedregosa de toda a charneca. Que pastor se instalaria num lugar assim? Sua sugestão me parece extremamente absurda.”
Respondi simplesmente que falara sem conhecer todos os fatos. Minha submissão o agradou e o levou a mais confidências.
“Pode ter certeza, senhor, de que tenho fundamentos muito bons antes de chegar a uma opinião. Vi o menino muitas vezes com sua trouxa. Todo os dias, e às vezes duas vezes por dia, pude… mas espere um pouco, dr. Watson. Meus olhos estão me enganando ou há algo se movendo agora mesmo naquela encosta?”
Estávamos a quilômetros de distância, mas pude ver distintamente um pontinho preto contra o verde e o cinza foscos.
“Venha, senhor, venha!” gritou Frankland, correndo para o andar superior. “Verá com os próprios olhos e julgará por si mesmo.”
O telescópio, um instrumento formidável montado sobre um tripé, ficava sobre as folhas de chumbo do telhado. Frankland grudou o olho nele e soltou um grito de satisfação.
“Rápido, dr. Watson, rápido, antes que ele passe para o outro lado do morro!”
Lá estava ele, sem dúvida alguma, um garotinho com uma pequena trouxa no ombro, subindo penosamente o morro. Quando atingiu a crista vi a figura andrajosa, desajeitada, delineada por um instante contra o frio céu azul. Ele olhou à sua volta, com um ar furtivo, como alguém que teme ser seguido. Em seguida desapareceu do outro lado do morro.
“E então? Estou certo?”
“Sem dúvida há um menino que parece ter uma missão secreta.”
“E que missão é essa, até um guarda do condado poderia adivinhar. Mas eles não vão ouvir nem uma palavra de mim, e quero que se comprometa a guardar segredo também, dr. Watson. Nem uma palavra, entendeu?”
“Como queira.”
“Eles me trataram de maneira vergonhosa — vergonhosa. Quando os fatos vierem à luz em Frankland versus Regina, ouso pensar que uma onda de indignação sacudirá o país. De toda forma, nada me induziria a ajudar a polícia. Eles não teriam dado a mínima se eu mesmo, em vez de minha efígie, tivesse sido queimado na fogueira por esses patifes. Mas o senhor certamente não está indo embora! Vai me ajudar a esvaziar o decanter em honra a esta grande ocasião!”
Mas resisti a todos os seus apelos e consegui dissuadi-lo da anunciada intenção de me acompanhar até em casa. Mantive-me na estrada enquanto ele ficou de olho em mim, e depois enveredei pela charneca e rumei para o morro pedregoso sobre o qual o menino havia desaparecido. Tudo trabalhava a meu favor, e jurei que não seria por falta de energia ou perseverança que eu deixaria escapar a chance que a Fortuna lançara em meu caminho.
O sol já se punha quando cheguei ao topo do morro, e as longas encostas a meus pés eram de um verde-dourado de um lado e estavam mergulhadas na sombra do outro. Uma névoa se estendia a baixa altitude sobre a linha do horizonte mais distante, da qual se projetavam as formas fantásticas dos picos Belliver e Vixen. Em toda aquela vastidão não havia nenhum som ou movimento. Uma grande ave cinzenta, uma gaivota ou um maçarico, pairava no céu azul.
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