E o mensageiro da boa sorte não foi outro senão Mr. Frankland, que estava de pé, suíças grisalhas e rosto vermelho, do lado de fora do portão de seu jardim, que abria para a estrada pela qual eu viajava.
“Bom dia, dr. Watson”, exclamou ele, com desusado bom humor, “o senhor precisa realmente dar um descanso para os cavalos e entrar para tomar um copo de vinho e me congratular.”
Meus sentimentos em relação a ele estavam longe de ser amistosos depois do que ouvira falar sobre o tratamento que dera à filha, mas estava ansioso para mandar Perkins e o trole de volta para casa, e a oportunidade me convinha. Desci e pedi ao cocheiro que comunicasse a Sir Henry que eu voltaria a pé a tempo para o jantar. Feito isto, acompanhei Frankland até sua sala de jantar.
“Este é um grande dia para mim, senhor — um dos mais memoráveis de minha vida!” exclamou ele em meio a muitas risadinhas. “Promovi um duplo evento. Quero ensinar a todos nestas bandas que lei é lei, e que há um homem aqui que não tem medo de invocá-la. Estabeleci uma servidão pelo centro do parque do velho Middleton, bem no meio dele, a menos de cem metros de sua própria porta da frente. Que pensa disso? Vou ensinar a esses magnatas que eles não podem atropelar os direitos dos plebeus, com a breca! E fechei o bosque onde o pessoal de Fernworthy costumava fazer piquenique. Essa gente infernal pensa que não existem direitos de propriedade, e que eles podem invadir o lugar em grande número, com seus papéis e garrafas. Ambos os casos foram decididos, dr. Watson, e ambos a meu favor. Não tenho um dia como este desde que consegui a condenação de Sir John Morland por violação da propriedade alheia por ele ter atirado em sua própria coutada.”

“‘Este é um grande dia para mim, senhor — um dos mais memoráveis de minha vida!’, exclamou ele em meio a muitas risadinhas.”
[Richard Gutschmidt, Der Hund von Baskerville, Stuttgart: Robert Lutz Verlag, 1903]
“Mas por que diabos fez isso?”
“Consulte os autos, senhor. Vale a pena ler Frankland versus Morland, Tribunal Superior de Justiça. Custou-me duzentas libras, mas consegui meu veredicto.”
“Isso lhe trouxe algum benefício?”
“Nenhum, senhor, nenhum. Orgulho-me em dizer que não tinha nenhum interesse na matéria. Ajo movido exclusivamente pelo senso de dever público. Não tenho nenhuma dúvida, por exemplo, de que o povo de Fernworthy me queimará em efígie esta noite. Da última vez que fizeram isso, eu disse à polícia que ela devia pôr fim a essas exibições vergonhosas. A polícia do condado está num estado escandaloso, senhor, e não me proporcionou a proteção a que tenho direito. O caso Frankland versus Regina levará o assunto à atenção do público. Eu lhes disse que teriam oportunidade de se arrepender do modo como me trataram, e minhas palavras já se tornaram realidade.”
“Como assim?” perguntei.
O velho assumiu uma expressão muito astuta.
“Porque eu poderia lhes contar o que estão loucos para saber; mas nada vai me induzir a ajudar esses velhacos, pode apostar.”
Eu estivera procurando uma desculpa que me permitisse escapar daqueles mexericos, mas nesse instante comecei a querer ouvir mais. Já tinha visto o bastante da natureza caprichosa do velho pecador para compreender que qualquer forte sinal de interesse seria a maneira mais segura de sustar suas confidências.
“Algum caso de invasão de propriedade, certamente?” perguntei, aparentando indiferença.
“Ah, meu rapaz, um assunto muito mais importante que esse! Que me diz do prisioneiro na charneca?”
Tive um sobressalto. “Não está querendo dizer que sabe onde está, não é?” perguntei.
“Posso não saber exatamente onde está, mas tenho certeza de que poderia ajudar a polícia a pôr as mãos nele. Nunca lhe ocorreu que a maneira de pegar esse homem seria descobrir onde ele consegue sua comida, e assim segui-la até ele?”
Ele parecia por certo estar chegando incomodamente perto da verdade. “Sem dúvida”, disse eu; “mas como sabe que ele está em algum lugar na charneca?”
“Sei porque vi com meus próprios olhos o mensageiro que lhe leva comida.”
Senti imensa pena de Barrymore. Era uma coisa séria cair em poder desse abelhudo rancoroso. Mas sua observação seguinte me tirou um peso do coração.
“O senhor ficará surpreso ao saber que sua comida lhe é levada por uma criança. Eu a vejo todo dia com meu telescópio em cima do telhado. Ela passa pelo mesmo caminho à mesma hora, e com quem iria se encontrar, senão o prisioneiro?”
Aquele era realmente um golpe de sorte! Reprimi, contudo, qualquer manifestação de interesse.
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