Era, de fato, o mesmo rosto que brilhara sobre mim à luz da vela de cima da pedra — o rosto de Selden, o criminoso. Um instante depois tudo ficou claro para mim. Lembrei-me de que o baronete me contara que dera seu velho guarda-roupa para Barrymore. Este o passara adiante para ajudar Selden em sua fuga. Botinas, camisa, boné… era tudo de Sir Henry. A tragédia ainda era suficientemente lúgubre, mas esse homem havia pelo menos merecido a morte pelas leis de seu país. Contei a Holmes o que acontecera, meu coração transbordando de gratidão e alegria.

“Era o rosto de Selden, o criminoso.”
[Sidney Paget, Strand Magazine, 1902]
“Então as roupas foram a perdição do pobre-diabo”, disse ele. “Está bastante claro que deram algum pertence de Sir Henry para o cão cheirar — muito provavelmente a botina furtada no hotel —, e assim ele partiu em perseguição a este homem. Há algo de muito singular, entretanto: como Selden pôde saber, no escuro, que o cão estava no seu encalço?”
“Ele o ouviu.”
“Ouvir um cão na charneca não lançaria um homem rijo como este prisioneiro num tal paroxismo de terror que ele se arriscasse a ser recapturado gritando desvairadamente por socorro. Pelos seus gritos, deve ter corrido uma longa distância depois de saber que o animal estava na sua cola. Como sabia?”
“Um mistério ainda maior para mim é por que esse cão, presumindo que todas as nossas conjecturas estejam corretas…”
“Eu não presumo nada.”
“Bem, então por que esse cão estaria solto esta noite? Suponho que ele não corra sempre solto pela charneca. Stapleton não o deixaria sair a menos que tivesse razões para pensar que Sir Henry estaria lá.”
“Minha dificuldade aqui é a maior das duas, pois penso que muito em breve teremos uma explicação para a sua, enquanto a minha poderá permanecer um mistério para sempre. A questão agora é: que devemos fazer com o corpo deste pobre infeliz? Não podemos deixá-lo aqui para as raposas e os corvos.”
“Sugiro que o deixemos numa das cabanas até que possamos nos comunicar com a polícia.”
“Exatamente. Não tenho dúvida de que você e eu conseguiremos carregá-lo até lá. Mas quem vem lá, Watson? É o homem em pessoa, por mais assombroso e atrevido que isso pareça! Nem uma palavra que mostre suas desconfianças… nem uma palavra, ou meus planos irão por água abaixo.”
Um vulto se aproximava de nós pela charneca, e vi o fulgor vermelho e fosco de um charuto. A lua brilhava sobre ele, e pude distinguir a forma garbosa e o andar lépido do naturalista. Quando nos viu ele parou, depois voltou a se aproximar.
“Ora, dr. Watson, é mesmo o senhor? É o último homem que eu esperaria ver na charneca a esta hora da noite. Mas, meu Deus, o que é isso? Alguém ferido? Não… não me diga que é nosso amigo Sir Henry!”
Passou depressa por mim e inclinou-se sobre o homem morto. Ouvi uma inspiração forte e o charuto lhe caiu dos dedos.
“Quem… quem é este?” gaguejou.
“É Selden, o homem que fugiu de Princetown.”
Ele virou para nós um rosto lívido, mas por um supremo esforço havia dominado seu pasmo e desapontamento. Lançou um olhar penetrante de Holmes para mim.
“Meu Deus! Que caso mais chocante! Como ele morreu?”
“Parece que quebrou o pescoço ao cair desses rochedos. Meu amigo e eu passeávamos pela charneca quando ouvimos um grito.”
“Ouvi um grito também. Foi o que me trouxe aqui. Eu estava preocupado com Sir Henry.”
“Por que com Sir Henry em particular?” não pude deixar de perguntar.
“Porque sugeri que viesse nos ver. Quando não apareceu, fiquei surpreso, e naturalmente senti-me alarmado por sua segurança quando ouvi gritos na charneca. A propósito” — seus olhos voaram de novo do meu rosto para o de Holmes —, “ouviram alguma coisa além de um grito?”
“Não”, disse Holmes; “o senhor ouviu?”
“Não.”

“Passou depressa por mim e inclinou-se sobre o homem morto.”
[Richard Gutschmidt, Der Hund von Baskerville, Stuttgart: Robert Lutz Verlag, 1903]
“A que se refere, então?”
“Oh, os senhores conhecem as histórias que os camponeses contam sobre um cão fantasma, e assim por diante. Dizem que o ouvem à noite na charneca. Estava pensando se teria havido algum indício desse som hoje à noite.”
“Não ouvimos nada dessa espécie”, disse eu.
“E qual é sua teoria sobre a morte deste pobre homem?”
“Não tenho dúvida de que a ansiedade e a exposição às intempéries o deixaram louco. Ele correu pela charneca, ensandecido, e acabou caindo aqui e quebrando o pescoço.”
“Parece a teoria mais sensata”, disse Stapleton, e deu um suspiro que, a meu ver, indicava seu alívio. “Que pensa sobre isso, Mr.
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