“Aqueles tiros certamente o informaram de que o jogo terminou.”
“Estávamos a alguma distância da casa, e essa neblina pode tê-los abafado.”
“Ele seguiu o cão para chamá-lo de volta… podem ter certeza disso. Não, não, a esta altura já foi embora! Mas vamos revistar a casa e nos assegurar.”
Como a porta da frente estava aberta, entramos às pressas e corremos de cômodo em cômodo, para espanto de um velho e trôpego empregado que nos encontrou no corredor. Não havia luz exceto na sala de jantar, mas Holmes pegou o lampião e não deixou um canto da casa inexplorado. Não conseguimos encontrar um sinal sequer do homem que procurávamos. No andar superior, porém, a porta de um dos quartos estava trancada.
“Há alguém aí dentro!” exclamou Lestrade. “Posso ouvir um movimento. Abra esta porta!”
Um débil gemido e um farfalhar vieram de dentro. Holmes golpeou a porta logo acima da fechadura com a sola do pé, e ela se abriu. Pistola na mão, precipitamo-nos os três no quarto.
Mas não havia nele nenhum sinal do patife desesperado e desafiador que esperávamos ver. Em vez disso, deparamo-nos com um objeto tão estranho e inesperado que por um instante ficamos olhando para ele embasbacados.
O quarto estava arrumado à maneira de um pequeno museu, as paredes tomadas por uma grande quantidade de caixas com tampo de vidro cheias daquela coleção de borboletas e mariposas cuja formação fora o entretenimento desse homem complexo e perigoso. No centro do quarto havia uma viga vertical, colocada ali um dia como esteio das velhas e carcomidas traves de madeira que atravessavam o telhado. Nesse poste estava presa uma figura, tão enfaixada e encoberta pelos lençóis usados para amarrá-la que não soubemos, num primeiro instante, se estávamos diante de um homem ou de uma mulher. Uma toalha cingia-lhe o pescoço e estava amarrada atrás da coluna. Outra cobria a parte inferior do rosto e acima dela dois olhos escuros — olhos cheios de aflição, vergonha e uma terrível indagação — nos fitavam. Num minuto havíamos arrancado a mordaça, desamarrado os nós, e Mrs. Stapleton caiu no chão à nossa frente. Quando sua bela cabeça tombou sobre o peito, vi o claro vergão vermelho de uma chicotada em seu pescoço.

“Mrs. Stapleton caiu no chão.”
[Sidney Paget, Strand Magazine, 1902]
“O animal!” exclamou Holmes. “Aqui, Lestrade, sua garrafa de conhaque! Sente-a na cadeira! Desmaiou à força de maus-tratos e exaustão.”
Ela abriu os olhos de novo. “Ele está em segurança?” perguntou. “Escapou?”
“Não poderá escapar de nós, madame.”
“Não, não, não me refiro ao meu marido. Sir Henry? Ele está ileso?”
“Sim.”
“E o cão?”
“Está morto.”
Ela deu um longo suspiro de satisfação. “Graças a Deus! Graças a Deus! Oh, esse canalha! Vejam como me tratou!” Arregaçou as mangas, e pudemos ver como seus braços estavam cobertos de contusões. “Mas isto não é nada… nada! Foram minha mente e minha alma que ele torturou e profanou. Eu poderia suportar tudo, maus-tratos, solidão, uma vida de decepção, tudo, contanto que ainda pudesse me agarrar à esperança de ter seu amor, mas agora sei que também nisso fui seu joguete e instrumento.” Caiu em soluços amargurados enquanto falava.
“Não tenha nenhuma benevolência em relação a ele, madame”, disse Holmes. “Conte-nos, portanto, onde poderemos encontrá-lo. Se alguma vez o ajudou no mal, ajude-nos agora e poderá se redimir.”
“Só há um lugar para onde pode ter fugido”, respondeu ela. “É uma velha mina de estanho numa ilha no coração do charco. Era lá que ele mantinha o seu cão, e foi lá também que fez preparativos de modo a ter um refúgio. É para lá que ele fugiria.”
O banco de neblina parecia lã branca contra a janela.
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