Holmes aproximou o lampião.
“Veja”, disse. “Ninguém conseguiria penetrar no charco de Grimpen esta noite.”
Ela riu e bateu palmas. Seus olhos e dentes brilhavam com alegria feroz.
“Ele será capaz de entrar, mas nunca de sair!” exclamou. “Como pode ver as varas que indicam o caminho esta noite? Nós as fincamos juntos, ele e eu, para marcar o caminho através do charco. Oh, se pelo menos eu tivesse podido arrancá-las hoje! Nesse caso os senhores realmente o teriam à sua mercê.”
Estava evidente para nós que qualquer busca seria inútil até que a neblina se dissipasse. Nesse meio-tempo, deixamos Lestrade tomando conta da casa, enquanto Holmes e eu voltamos com o baronete para o Solar Baskerville. Impossível continuar a esconder-lhe a história dos Stapleton, mas ele enfrentou bravamente o golpe de saber a verdade sobre a mulher que amara. Mas o choque das aventuras da noite lhe estilhaçara os nervos, e antes do amanhecer ele jazia delirante e com febre alta, sob os cuidados do dr. Mortimer. Os dois estavam destinados a dar uma volta ao mundo juntos antes que Sir Henry voltasse a ser o homem robusto e vigoroso que fora antes de se tornar o senhor daquela propriedade agourenta.
* * *
E AGORA CHEGO RAPIDAMENTE à conclusão desta singular narrativa, em que tentei fazer o leitor partilhar dos medos soturnos e suposições vagas que anuviaram nossas vidas por tanto tempo. Na manhã após a morte do cão, a neblina se dissipara e fomos guiados por Mrs. Stapleton até o ponto onde eles haviam encontrado um caminho através do pântano. A ansiedade e a alegria com que essa mulher nos pôs na pista do marido ajudou-nos a compreender o horror de sua vida. Nós a deixamos na estreita península de terra firme e turfosa que se afunilava pelo vasto lodaçal. A partir do ponto em que ela terminava, uma pequena vara fincada aqui e ali mostrava por onde o caminho ziguezagueava de tufo em tufo de juncos por entre aqueles buracos cheios de espuma verde e atoleiros fétidos que impediam a passagem do forasteiro. Caniços exuberantes e plantas aquáticas viçosas lançavam um odor de podridão e um denso vapor miasmático em nossos rostos, enquanto, mais de uma vez, uma escorregadela nos mergulhou até a coxa no charco escuro e tremulante, que se agitava em suaves ondulações por vários metros em torno de nossos pés. Seu aperto tenaz agarrava nossos calcanhares enquanto caminhávamos, e quando afundávamos nele era como se uma mão maligna estivesse puxando com força para dentro daquelas profundezas repugnantes, tão implacável e intencional era a pressão com que nos segurava.
Apenas uma vez vimos um sinal de que alguém passara por aquele caminho perigoso antes de nós. De dentro de uma moita de erióforos que a mantinha fora do lodo, uma coisa escura se projetava. Holmes afundou até a cintura ao dar um passo fora do caminho para pegá-la, e se não estivéssemos lá para arrastá-lo, talvez nunca mais tivesse pisado em terra firme novamente. Ele segurava uma velha botina preta no ar. “Meyers, Toronto”, estava impresso no forro do couro.

“Ele segurava uma velha botina preta no ar.”
[Sidney Paget, Strand Magazine, 1902]
“Isto vale um banho de lama”, disse ele. “É a botina desaparecida do nosso amigo Sir Henry.”
“Stapleton a jogou fora em sua fuga.”
“Exatamente. Ele a conservou na mão depois de usá-la para pôr o cão no rastro dele. Fugiu quando viu que o jogo estava terminado, ainda segurando-a. E jogou-a fora neste ponto de sua fuga. Sabemos pelo menos que chegou até aqui incólume.”
Mas não estávamos destinados a saber mais do que isso, embora houvesse muito que pudéssemos conjecturar. Não havia a menor possibilidade de encontrar pegadas no charco, pois a lama estava subindo e ressumava rapidamente sobre elas, mas quando finalmente chegamos a um terreno mais firme além do pântano, pusemo-nos a procurá-las avidamente. Mas não demos com o mais leve sinal delas. Se a terra contava uma história verdadeira, Stapleton nunca chegara àquela ilha de refúgio em direção à qual partira na noite anterior, enfrentando a neblina. Em algum lugar no coração do grande charco de Grimpen, no fundo do lodo fétido do enorme pântano que o sugara, esse homem frio e cruel está sepultado para sempre.
Encontramos muitos vestígios seus na ilha cercada de lodo onde ele escondera seu selvagem aliado.
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