Riazanov e responsável pela publicação dos manuscritos marxianos na União Sovié-

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MARX

tica) lançou nova edição em 1954, expurgada das intervenções arbitrárias de Kautsky.

Em 1933, o mesmo Instituto havia publicado o texto de um capítulo inédito, planejado para figurar no Livro Primeiro de O Capital e que Marx resolvera suprimir. Numerado como sexto e sob o título de Resultados do Processo Imediato da Produção, o capítulo contém uma síntese do Livro Primeiro e serviria também de transição ao Livro Segundo.

III. Unificação Interdisciplinar das Ciências Humanas

Em primeiro lugar, O Capital é, sem a menor dúvida, uma obra de Economia Política. A amplitude de sua concepção desta ciência supera, porém, os melhores clássicos burgueses e contrasta com a estrita especialização em que o marginalismo pretendeu confinar a análise econômica. Nas seções subseqüentes, teremos oportunidade de focalizar o que se tornou a Economia Política submetida ao tratamento marxiano.

Nesta altura, abordaremos outros aspectos.

É que O Capital constitui, por excelência, uma obra de unificação interdisciplinar das ciências humanas, com vistas ao estudo multilateral de determinada formação social. Unificação entre a Economia Política e a Sociologia, a Historiografia, a Demografia, a Geografia Econômica e a Antropologia.

As categorias econômicas, ainda quando analisadas em níveis elevados de abstração, se enlaçam, de momento a momento, com os fatores extra-econômicos inerentes à formação social. O Estado, a legislação civil e penal (em especial, a legislação referente às relações de trabalho), a organização familiar, as formas associativas das classes sociais e seu comportamento em situações de conflito, as ideologias, os costumes tradicionais de nacionalidades e regiões, a psicologia social

— tudo isso é focalizado com riqueza de detalhes, sempre que a explicação dos fenômenos propriamente econômicos adquira na interação com fenômenos de outra ordem categorial uma iluminação indispensável ou um enriquecimento cognoscitivo. Assim, ao contrário do que pretendem críticas tão reiteradas, o enfoque marxiano da instância econômica não é economicista, uma vez que não a isola da trama variada do tecido social. O que, convém enfatizar, não representa incoerência, mas, ao contrário, perfeita coerência com a concepção do materialismo histórico enquanto teoria sociológica geral: a concepção segundo a qual a instância econômica, sendo a base da vida social dos homens, não existe senão permeada por todos os aspectos dessa vida social, os quais, por sua vez, sob modalidades diferenciadas, são instâncias da supe-restrutura possuidoras de desenvolvimento autônomo relativo e influência retroativa sobre a estrutura econômica.

Obra de Economia Política e de Sociologia, O Capital também é obra de Historiografia. A tese de que o modo de produção capitalista tem existência histórica, de que nasceu de determinadas condições cria-21

OS ECONOMISTAS

das pelo desenvolvimento social e de que criará, ele próprio, as condições para o seu desaparecimento e substituição por um novo modo de produção — esta tese, já por si mesma, também exige abordagem histórica e, por conseguinte, implica o tratamento por meio de procedimentos característicos da Historiografia. Antes de tudo, sem dúvida, trata-se de Historiografia econômica, que abrange exposições eruditas sobre o desenvolvimento das forças produtivas, estudos especializados sobre questões de tecnologia, pesquisas inovadoras sobre o comércio, o crédito, as formas de propriedade territorial e a gênese da renda da terra e, com destaque particular, sobre a formação da moderna classe operária.

Mas, em relação mesmo com a história econômica, temos outrossim a história das instituições políticas, a evolução das normas jurídicas (veja-se o estudo pioneiro sobre a legislação trabalhista), a história das re-lações internacionais.

Os estudos sobre a lei da população do modo de produção capitalista, bem como sobre migrações e colonização, focalizam temas de evidente contato entre a Economia Política e a Demografia. Por fim, encontramos incursões e sugestões nos âmbitos da Geografia econômica e da Antropologia.

A decidida rejeição do geodeterminismo não conduz ao desconhecimento dos condicionamentos geográficos, cuja influência no desenvolvimento das forças produtivas e das formações sociais é posta em destaque.

Em contrapartida, acentua-se a ação transformadora do meio geográfico pelo homem, de tal maneira que as condições geográficas se humanizam, à medida que se tornam prolongamento do próprio homem.

Mas a humanização da natureza nem sempre tem sido um processo harmônico. Marx foi dos primeiros a apontarem o caráter predador da burguesia, com reiteradas referências, por exemplo, à destruição dos recursos naturais pela agricultura capitalista. Sob este aspecto, merece ser considerado precursor dos modernos movimentos de defesa da eco-logia em benefício da vida humana.

Do ponto de vista da Antropologia, o que sobreleva é a relação do homem com a natureza por meio do trabalho e a humanização sob o aspecto de autocriação do homem no processo de transformação da natureza pelo trabalho. As mudanças nas formas de trabalho constituem os indicadores básicos da mudança das relações de produção e das formas sociais em geral do intercurso humano. O trabalho é, portanto, o fundamento antropológico das relações econômicas e sociais em geral. Ou seja, em resumo, o que Marx propõe é a Antropologia do homo faber.

Embora de maneira de todo não convencional, O Capital se cre-dencia como realização filosófica basilar.