Não obstante, seja frisado, a lógica formal está para a lógica dialética, na obra marxiana, assim como a mecânica de Newton está para a teoria da relatividade de Einstein. Ou seja, a primeira aplica-se a um nível inferior do conhecimento da realidade com relação à segunda.

Marx distinguiu entre investigação e exposição. A investigação exige o máximo de esforço possível no domínio do material fatual. O

próprio Marx não descansava enquanto não houvesse consultado todas as fontes informativas de cuja existência tomasse conhecimento. O fim último da investigação consiste em se apropriar em detalhe da matéria investigada, analisar suas diversas formas de desenvolvimento e descobrir seus nexos internos. Somente depois de cumprida tal tarefa, seria possível passar à exposição, isto é, à reprodução ideal da vida da matéria. A esta altura, advertiu Marx que, se isto for conseguido, 24

MARX

“(...) então pode parecer que se está diante de uma construção a priori”.

Por que semelhante advertência?

É que a exposição deve figurar um “todo artístico”. Suas diversas partes precisam se articular de maneira a constituírem uma totalidade orgânica e não um dispositivo em que os elementos se justapõem como somatório mecânico. Ora, a realização do “todo artístico” ou da “totalidade orgânica” pressupunha a aplicação do modo lógico e não do modo histórico de exposição. Ou seja, as categorias deveriam comparecer não de acordo com a sucessão efetiva na história real, porém conforme as relações internas de suas determinações essenciais, no quadro da sociedade burguesa. Por conseguinte, o tratamento lógico da matéria faz da exposição a forma organizacional apropriada do conhecimento a nível categorial-sistemático e resulta na radical superação do historicismo (entendido o historicismo, na acepção mais ampla, como a compreensão da história por seu fluxo singular, consubstanciado na sucessão única de acontecimentos ou fatos sociais). A exposição lógica afirma a orientação anti-historicista na substituição da sucessão histórica pela articulação sistemática entre categorias abstratas, de acordo com suas determinações intrínsecas. Daí que possa assumir a aparência de construção imposta à realidade de cima e por fora.

Na verdade, trata-se apenas de impressão superficial contra a qual é preciso estar prevenido. Porque, se supera o histórico, o lógico não o suprime. Em primeiro lugar, se o lógico é o fio orientador da exposição, o histórico não pode ser dispensado na condição de contra-prova. Daí a passagem freqüente de níveis elevados de abstração a concretizações fatuais em que a demonstração dos teoremas assume procedimentos historiográficos. Em segundo lugar, porém com ainda maior importância, porque o tratamento histórico se torna imprescindível nos processos de gênese e transição, sem os quais a história será impensável. Em tais processos, o tratamento puramente lógico conduziria aos esquemas arbitrários divorciados da realidade fatual. Por isso mesmo, temas como os da acumulação originária do capital e da formação da moderna indústria fabril foram expostos segundo o modo histórico, inserindo-se em O Capital na qualidade de estudos historiográficos de caráter monográfico.

Em suma, o lógico não constitui o resumo do histórico, nem há paralelismo entre um e outro (conforme pretendeu Engels), porém entrelaçamento, cruzamento, circularidade.

A interpretação althusseriana conferiu estatuto privilegiado ao modo de exposição e atribuiu às partes históricas de O Capital o caráter de mera ilustração empirista. Se bem que com justificadas razões pusesse em relevo a sistematicidade marxiana, Althusser fez dela uma estrutura formal desprendida da história concreta, o que o próprio Marx explicitamente rejeitou.

O tratamento lógico é também o que melhor possibilita e, no 25

OS ECONOMISTAS

mais fundamental, o único que possibilita alcançar aquele nível da essência em que se revelam as leis do movimento da realidade objetiva.

Porque, em O Capital, a finalidade do autor consistiu em desvendar a lei econômica da sociedade burguesa ou, em diferente formulação, as leis do nascimento, desenvolvimento e morte do modo de produção capitalista.

Numa época em que prevalecia a concepção mecanicista nas ciências físicas, Marx foi capaz de desvencilhar-se dessa concepção e formular as leis econômicas precipuamente como leis tendenciais. Ou seja, como leis determinantes do curso dos fenômenos em meio a fatores contrapostos, que provocam oscilações, desvios e atenuações provisórias.

As leis tendenciais não são, nem por isso, leis estatísticas, probabilidades em grandes massas, porém leis rigorosamente causais.