O problema verdadeiro foi apontado pelo próprio Marx, que não ignorava já entrarem as mercadorias no preço de custo calculadas pelo preço de produção e não pelo valor. Advertiu que isso poderia induzir a erro, quando se identifica o preço de custo da mercadoria com o valor dos bens nela consumidos. Não obstante, afirmou que a questão não requeria exame pormenorizado para o estudo da transformação de valores em preços de produção. Ora, se é correto que Marx não precisava gastar energias num aspecto derivado da sua questão central, daí não se segue que tal aspecto não mereça a atenção dos economistas e se afirme não haver nenhum problema. Bem pelo contrário, é justificável que se investigue a conversão do insumo em produto, tomados ambos como preços de produção. O que não se pode absolutamente pretender desta maneira, conforme tem sido questão de princípio para tantos pesquisadores, é chegar a alguma fórmula de equilíbrio geral, ao menos se nos ativermos aos pressupostos marxistas fundamentais.
Por último, uma apreciação de natureza epistemológica.
Se é inconcebível a teoria econômica do capitalismo sem a demonstração dos fatores do movimento dos preços — o que para Marx era evidente, tanto se esforçou a fim de eliminar o impasse em que, a este respeito, ficaram Smith e Ricardo —, daí não se segue, todavia, que a questão especial dos preços deva ser considerada, em si mesma, a pedra de toque da veracidade dos sistemas de teoria econômica. Como também é inconsistente pretender que a demonstração mais direta e simples seja, por um sequitur lógico, a verdadeira.
Os preços constituem evidência fenomenal de processos econômicos profundos e a explicação restrita dos preços, por mais sofisticada que se apresente no tratamento matemático, na análise estatística etc., não colocará em foco as forças que lhes são subjacentes. A teoria marxiana abarcou os processos profundos num amplo conjunto — o das relações de produção e das leis que lhes determinam o desenvolvimento
— e sua validade científica não deve ser julgada senão em função desse enfoque. A partir dele, a demonstração do movimento dos preços não dispensa o desvio do valor-trabalho, da mais-valia e da composição orgânica do capital. Tal desvio não constitui um complicador desnecessário, conducente à invenção de entes de razão, mas é imposto à teoria pela própria realidade das sociedades em que não pode ser direta a divisão social do trabalho entre proprietários privados dos meios de produção e de subsistência. Em tais sociedades, a divisão social do trabalho se realiza indiretamente, por meio do desvio do valor, com base no qual se demonstra muitíssimo mais do que o movimento dos preços. Justamente a partir do valor-trabalho é que Marx pôde elucidar a contradição fundamental do modo de produção capitalista como sendo a contradição entre a forma privada de apropriação e o caráter social 50
MARX
do processo de produção. E ainda a criação da mais-valia como impulso motor do modo de produção capitalista; a luta de classes entre a burguesia e o proletariado como inerente à formação social capitalista; a dinâmica entre acumulação de capital e exército industrial de reserva; as contradições da reprodução do capital social total e a necessidade de sua trajetória cíclica; o impulso do capital ao desenvolvimento má-
ximo das forças produtivas e o limite cada vez mais estreito que o próprio capital impõe a esse desenvolvimento; a lei da queda tendencial da taxa de lucro enquanto expressão concentrada das contradições do capitalismo. Com inteira razão, enfatizou Bob Rowthorn que a problemática da Economia Política marxista se diferencia profundamente da neo-ricardiana, sendo perda de tempo enfocar a problemática marxista pela via do sistema de Sraffa.
Em seguida a Marx, cabe admitir que a questão dos preços recebeu escasso tratamento por parte dos economistas marxistas, ficando o tema entregue à corrente neoclássica. A este respeito, uma exceção foi a de Rubin, que conseguiu demonstrar como a explicação marginalista da dinâmica dos preços, feita por Marshall, podia ser substituída por uma explicação baseada no valor-trabalho. A demonstração do economista russo veio confirmar que a teoria especial dos preços dispunha de condições para ser desenvolvida com suficiente coerência nos quadros sistemáticos da Economia Política marxista. Inclusive com o aproveitamento da contribuição de outras correntes do pensamento econômico, a exemplo, nos anos recentes, da contribuição neo-ricardiana.
VII. Tendências do Desenvolvimento do
Modo de Produção Capitalista
O sistema teórico marxiano distingue-se pela exposição das tendências dinâmicas inerentes ao modo de produção capitalista, as quais, se lhe impulsionam o crescimento, ao mesmo tempo desenvolvem suas contradições internas e o conduzem à decadência e à substituição por um novo modo de produção.
O modo de produção capitalista não é visto, por conseguinte, como encarnação da racionalidade supra-histórica, nem suas leis específicas assumem o caráter de leis naturais, cuja suposta imanência à natureza humana imporia a adequação eterna das instituições sociais às exigências de sua livre atuação. A concepção dialética marxista opôs-se à tradição jusnaturalista da ideologia burguesa, que impregnou os clássicos da Economia Política. Por isso mesmo, o modo de produção capitalista não é visto como aberração, nem tampouco o foram, antes dele, os modos de produção asiático, escravista e feudal. Todos representam grandes etapas do desenvolvimento histórico, cujo princípio explicativo reside na correspondência entre as relações de produção e o caráter das forças produtivas. A cessação de tal correspondência torna os homens conscientes, cedo ou tarde, da necessidade de substituir o 51
OS ECONOMISTAS
modo de produção decadente por um novo modo de produção, ou seja, no essencial, da necessidade de favorecer a implantação e expansão de novas relações de produção adequadas ao desenvolvimento desobs-truído das forças produtivas. O modo de produção capitalista, em virtude das contradições do seu próprio movimento, teria de ceder lugar ao modo de produção comunista. Se foi enfático no concernente a esta conclusão, Marx não deixou senão escassas e sucintas idéias acerca das características do comunismo.
1 comment