Sob o aspecto filosófico, tais textos contêm uma crítica incisiva do idealismo hegeliano, ao qual se contrapõe a concepção materialista ainda nitidamente influenciada pela antropologia naturista de Feuerbach. Mas, ao contrário deste último, Marx reteve de Hegel o princípio dialético e começou a elaborá-lo no sentido da criação da dialética materialista.

Sob o aspecto das questões econômicas, os Manuscritos reproduzem longas citações de vários autores, sobretudo, Smith, Say e Ricardo, acerca das quais são montados comentários e dissertações. No essencial, Marx seguiu a linha diretriz do Esboço de Engels e rejeitou a teoria do valor-trabalho, considerando-a inadequada para fundamentar a ciência da Economia Política. A situação do proletariado, que representa o grau final de desapossamento, tem o princípio explicativo no seu oposto — a propriedade privada. Esta é engendrada e incrementada mediante o processo generalizado de alienação, que permeia a sociedade civil (esfera das necessidades e relações materiais dos indivíduos).

Transfigurado ao passar de Hegel a Feuerbach, o conceito de alienação sofria nova metamorfose ao passar deste último a Marx.

Pela primeira vez, a alienação era vista enquanto processo da vida econômica. O processo por meio do qual a essência humana dos operários se objetivava nos produtos do seu trabalho e se contrapunha a eles por serem produtos alienados e convertidos em capital. A idéia abstrata do homem autocriado pelo trabalho, recebida de Hegel, con-cretizava-se na observação da sociedade burguesa real. Produção dos operários, o capital dominava os produtores e o fazia cada vez mais, à medida que crescia por meio da incessante alienação de novos produtos do trabalho. Evidencia-se, portanto, que Marx ainda não podia explicar a situação de desapossamento da classe operária por um processo de exploração, no lugar do qual o trabalho alienado constitui, em verdade, um processo de expropriação. Daí a impossibilidade de superar a concepção ética (não-científica) do comunismo.

Nos Manuscritos, por conseguinte, alienação é a palavra-chave.

Deixaria de sê-lo nas obras de poucos anos depois. Contudo, reformu-9

OS ECONOMISTAS

lada e num contexto avesso ao filosofar especulativo, se incorporaria definitivamente à concepção sócio-econômica marxiana.

Materialismo histórico, socialismo científico e

Economia Política

Em 1844 e em Paris, Marx e Engels deram início à colaboração intelectual e política que se prolongaria durante quatro decênios. Dotado de exemplar modéstia, Engels nunca consentiu que o consideras-sem senão o “segundo violino” junto a Marx. Mas este, sem dúvida, ficaria longe de criar uma obra tão impressionante pela complexidade e extensão não contasse no amigo e companheiro com um incentivador, consultor e crítico. Para Marx, excluído da vida universitária, despre-zado nos meios cultos e vivendo numa época em que Proudhon, Blanqui e Lassalle eram os ideólogos influentes das correntes socialistas, Engels foi mais do que interlocutor colocado em pé de igualdade: representou, conforme observou Paul Lafargue, o verdadeiro público com o qual Marx se comunicava, público exigente para cujo convencimento não poupava esforços. As centenas de cartas do epistolário recíproco registram um intercâmbio de idéias como poucas vezes ocorreu entre dois pensadores, explicitando, ao mesmo tempo, a importância da contribuição de Engels e o respeito de Marx às críticas e conselhos do amigo.

Escrita em 1844 e publicada em princípios de 1845, A Sagrada Família foi o primeiro livro em que Marx e Engels apareceram na condição de co-autores. Trata-se de obra caracteristicamente polêmica, que assinala o rompimento com a esquerda hegeliana. O título sar-cástico identifica os irmãos Bruno, Edgar e Egbert Bauer e dá o tom do texto. Enquanto a esquerda hegeliana depositava as esperanças de renovação da Alemanha nas camadas cultas, aptas a alcançar uma consciência crítica, o que negava aos trabalhadores, Marx e Engels enfatizaram a impotência da consciência crítica que não se tornasse a consciência dos trabalhadores. E, neste caso, só poderia ser uma consciência socialista.

O livro contém abrangente exposição da história do materialismo, na qual se percebe o progresso feito no domínio dessa concepção filosófica e a visão original que os autores iam formando a respeito dela, embora ainda não se houvessem desprendido do humanismo naturista de Feuerbach.

Aspecto peculiar do livro reside na defesa de Proudhon, com o qual Marx mantinha amiúde encontros pessoais em Paris. Naquele momento, o texto de A Sagrada Família fazia apreciação positiva da crítica da sociedade burguesa pelo já famoso autor de Que É a Propriedade, então o de maior evidência na corrente que Marx e Engels mais tarde chamariam de socialismo utópico e da qual consideravam Owen, Saint-Simon e Fourier os expoentes clássicos.

No processo de absorção e superação de idéias, Marx e Engels 10

MARX

haviam alcançado um estágio em que julgaram necessário passar a limpo suas próprias idéias.