De 1845 a 1846,
em contato com as seitas socialistas francesas e envolvidos com os emigrados alemães na cons-piração contra a monarquia prussiana, encontraram tempo para se concentrar na elaboração de um livro de centenas de páginas densas, que recebeu o título de A Ideologia Alemã. Iniciada em Paris, a redação do livro se completou em Bruxelas, onde Marx se viu obrigado a buscar refúgio, pois o governo de Guizot, pressionado pelas autoridades prussianas, o expulsou da França sob acusação de atividades subversivas.
O livro não encontrou editor e só foi publicado em 1932, também na União Soviética. Em 1859, Marx escreveria que de bom grado ele e Engels entregaram o manuscrito à crítica roedora dos ratos, dando-se por satisfeitos com terem posto ordem nas próprias idéias.
Na verdade, A Ideologia Alemã encerra a primeira formulação da concepção histórico-sociológica que receberia a denominação de materialismo histórico. Trata-se, pois, da obra que marca o ponto de virada ou, na expressão de Althusser, o corte epistemológico na evolução do pensamento dos fundadores do marxismo.
A formulação do materialismo histórico desenvolve-se no corpo da crítica às várias manifestações ideológicas de maior consistência que disputavam, então, a consciência da sociedade germânica, às vésperas de uma revolução democrático-burguesa. A crítica dirige-se a um elenco que vai de Hegel a Stirner. A parte mais importante é a inicial, dedicada a Feuerbach. O rompimento com este se dá sob o argumento do caráter abstrato de sua antropologia filosófica. O homem, para Feuerbach, é ser genérico natural, supra-histórico, e não ser social determinado pela história das relações sociais por ele próprio criadas. Daí o caráter contemplativo do materialismo feuerbachiano, quando o proletariado carecia de idéias que o levassem à prática revolucionária da luta de classes. Uma síntese dessa argumentação encontra-se nas Teses
Sobre Feuerbach, escritas por Marx como anotações para uso pessoal e publicadas por Engels em 1888. A última e undécima tese é precisamente aquela que declara que a filosofia se limitara a interpretar o mundo de várias maneiras, quando era preciso transformá-lo.
A ideologia é, assim, uma consciência equivocada, falsa, da realidade. Desde logo, porque os ideólogos acreditam que as idéias mode-lam a vida material, concreta, dos homens, quando se dá o contrário: de maneira mistificada, fantasmagórica, enviesada, as ideologias expressam situações e interesses radicados nas relações materiais, de caráter econômico, que os homens, agrupados em classes sociais, es-tabelecem entre si. Não são, portanto, a idéia Absoluta, o Espírito, a Consciência Crítica, os conceitos de Liberdade e Justiça, que movem e transformam as sociedades. Os fatores dinâmicos das transformações sociais devem ser buscados no desenvolvimento das forças produtivas e nas relações que os homens são compelidos a estabelecer entre si ao 11
OS ECONOMISTAS
empregar as forças produtivas por eles acumuladas a fim de satisfazer suas necessidades materiais. Não é o Estado, como pensava Hegel, que cria a sociedade civil: ao contrário, é a sociedade civil que cria o Estado.
A concepção materialista da história implicava a reformulação radical da perspectiva do socialismo. Este seria vão e impotente enquanto se identificasse com utopias propostas às massas, que deveriam passivamente aceitar seus projetos prontos e acabados. O socialismo só seria efetivo se fosse criação das próprias massas trabalhadoras, com o proletariado à frente. Ou seja, se surgisse do movimento histórico real de que participa o proletariado na condição de classe objetivamente portadora dos interesses mais revolucionários da sociedade.
Mas de que maneira substituir a utopia pela ciência? Por onde começar?
Nenhum registro conhecido existe que documente este momento crucial na progressão do pensamento marxiano. Não obstante, a própria lógica da progressão sugere que tais indagações se colocavam com força no momento preciso em que, alcançada a formulação original do materialismo histórico, surgia a incontornável tarefa de ultrapassar o socialismo utópico. O que não se conseguiria pela negativa retórica e sim pela contraposição de uma concepção baseada na ciência social.
Ora, conforme a tese ontológica fundamental do materialismo histórico, a base sobre a qual se ergueria o edifício teria de ser a ciência das relações materiais de vida — a Economia Política. Esta já fora criada pelo pensamento burguês e atingira com Ricardo a culminância do refinamento. No entanto, Marx e Engels haviam rejeitado a Economia Política, vendo nela tão-somente a ideologia dos interesses capitalistas. Como se deu que houvessem repensado a Economia Política e aceito o seu núcleo lógico — a teoria do valor-trabalho?
Cabe supor que a superação da antropologia feuerbachiana teve o efeito de desimpedir o caminho no sentido de nova visão da teoria econômica.
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