— Viva! — gritou o público.

Houve um som de palmas ensurdecedor e Júpiter entrou pela cortina, deixando para trás o salão a tremer com os aplausos. Logo, então, pôde-se admirar a peça, intitulada "A provação da Virgem", uma obra muito bonita.

O público escutava com atenção, quando, de repente, bem no meio de uma cena, a porta da plataforma reservada,que até aquele momento estava fechada, se abriu e uma voz retumbante anunciou:

— Sua Eminência, o cardeal de Bourbon.

Pobre Gringoire! De tudo o que ele poderia temer, aconteceu o pior. A entrada de Sua Eminência pôs o auditório de pernas para o ar. Todas as cabeças se voltaram para a plataforma e nada mais se pôde ouvir.

— O cardeal! O cardeal! — repetiram todas as bocas.

Sua Eminência, então, parou um momento na entrada da plataforma e, enquanto olhava indiferente para o auditório, o tumulto aumentou. Todos queriam vê-lo melhor, mas só

conseguiam aqueles que podiam colocar a cabeça sobre o ombro do vizinho. O cardeal entrou, saudou o público e se dirigiu a passos lentos à sua poltrona de veludo vermelho, com um ar de estar pensando em outra coisa. Seu cortejo de bispos e abades apareceu em seguida, não sem um aumento ainda maior do tumulto e da curiosidade. Após o cardeal de Bourbon, chegaram, dois a dois, os enviados do Duque da Áustria. Não era mais possível pensar no espetáculo teatral e o pobre Gringoire ficou agitado, sem poder, imediatamente, juntar-se aos comediantes e reconduzir a atenção ao que acontecia em cena. Entre os recém-chegados destacavam-se os burgueses flamengos, ao mesmo tempo dignos e severos, de famílias parecidas com aquelas a quem o pintor Rembrandt retratou com tanto talento no quadro Ronda noturna. Estavam ali, entre outras pessoas, Guillaume Rym e Jacques Coppenole. Este último, um burguês que não negava a origem humilde — era fabricante de meias —, chamou a atenção de todos desde que se pôs a falar com familiaridade a um mendigo chamado Clopin Trouillefou. O pedinte subira num galho ao lado do palco, sem se preocupar com o protocolo, de onde gritava várias vezes:

— Caridade, pelo amor de Deus.

Tudo ia de mal a pior, porque Jacques Coppenole, enquanto os atores retomavam seus papéis, levantou-se de repente e se pôs a discursar para o público:

— Senhores burgueses e fidalgos de Paris, o que fazemos aqui? Vejo sobre este palco atores fingindo que querem brigar. Não sei se é a isto que os senhores dão o nome de mistério, mas não é divertido. Eles brigam com palavras e mais nada. Já faz um quarto de hora que aguardo o primeiro golpe e nada acontece. São covardes que se arranham apenas com injúrias. Deviam fazer vir lutadores de Londres ou de Roterdã e, no momento certo, os senhores teriam socos que ouviríamos da praça. Não está acontecendo aquilo que me haviam dito que ocorreria. Prometeram-me uma Festa dos Loucos, com eleição do papa. Nós também temos nosso Papa dos Loucos em Gand e nisso não estamos atrás, mas vejam como fazemos. Reunimo-nos em multidão, como aqui. Depois, cada um mostra a cabeça através de um buraco e faz uma careta aos outros. Aquele que fizer a careta mais feia é aclamado por todos e eleito papa.