- Está o mesmo sempre: muito amável, muito doce. É a alma mais virtuosa!...

- Eu prefiro o padre Félix, disse o rapaz gordo, estirando as pemas.

- Não diga isso, primo! Jesus, brada aos Céus! Pois então, o padre Liset, tão respeitável!... E

depois outras maneiras de dizer as coisas, com uma bondade... Vê-se que é um coração delicado... '

- Pois sim, mas o padre Félix...

- Ai, nem diga isso! Que o padre Félix é uma pessoa de muita virtude, decerto; mas o padre Liset tem uma religião mais... - e com um gesto delicado procurava a palavra: - mais fina, mais distinta...

Enfim, vive com outra gente. - E sorrindo para Amaro: - Pois não acha?

Amaro não conhecia o padre Félix, não se recordava do padre Liset.

- Já é velho o Sr. padre Liset, observou ao acaso.

16

- Crê? disse a condessa. Mas muito bem conservado! E que vivacidade, que entusiasmo!... Ai, é outra coisa! - E voltando-se para a senhora que estava junto do piano: - Pois não achas, Teresa?

- Já vou, respondeu Teresa, toda absorvida.

Amaro afirmou-se então nela. Pareceu-lhe uma rainha, ou uma deusa, com a sua alta e forte estatura, uma linha de ombros e de seio magnífica; os cabelos pretos um pouco ondeados destacavam sobre a palidez do rosto aquilino semelhante ao perfil dominador de Maria Antonieta; o seu vestido preto, de mangas curtas e decote quadrado, quebrava, com as pregas da cauda muito longa toda adornada de rendas negras, o tom monótono das alvuras da sala; o colo, os braços estavam cobertos por uma gaze preta, que fazia aparecer através da brancura da carne; e sentia-se nas suas formas a firmeza dos mármores antigos, com o calor dum sangue rico.

Falava baixo, sorrindo, numa língua áspera que Amaro não compreendia, cerrando e abrindo o seu leque preto - e o rapaz louro, bonito, escutava-a retorcendo a ponta de um bigode fino, com um quadrado de vidro entalado no olho.

- Havia muita devoção na sua paróquia, Sr. Amaro? perguntava, no entanto, a condessa.

- Muita, muito boa gente.

- É onde ainda se encontra alguma fé, é nas aldeias, considerou ela com um tom piedoso. -

Queixou-se da obrigação de viver na cidade, nos cativeiros do luxo: desejaria habitar sempre na sua quinta de Carcavelos, rezar na pequena capela antiga, conversar com as boas almas da aldeia! - e a sua voz tornara-se terna.

O rapaz rechonchudo ria-se:

- Ora, prima! dizia, ora, prima! - Não, ele, se o obrigassem a ouvir missa, numa capelinha de aldeia, até lhe parecia que perdia a fé!... Não compreendia, por exemplo, a religião sem música... Era lá possível uma festa religiosa, sem uma boa voz de contralto?

- Sempre é mais bonito, disse Amaro.

- Está claro que é. É outra coisa! Tem cachet! Ó prima, lembra-se daquele tenor... como se chamava ele? O Vidalti! Lembra-se do Vidalti, na quinta-feira de Endoenças, nos Inglesinhos? O tantum ergo?

- Eu preferia-o no Baile de Máscaras, disse a condessa.