- Olhe que não sei, prima, olhe que não sei!

No entanto o rapaz louro viera apertar a mão à senhora condessa, falando-lhe baixo, muito risonho; Amaro admirava a nobreza da sua estatura, a doçura do seu olhar azul; reparou que lhe caíra uma luva, e apanhou-lha servilmente. Quando ele saiu Teresa, depois de se ter aproximado vagarosamente da janela e olhando para a rua - foi sentar-se numa causeuse com um abandono que punha em relevo a magnífica escultura do seu corpo, e voltando-se preguiçosamente para o rapaz rechonchudo:

- Vamo-nos, João?

A condessa disse-lhe então:

- Sabes que o Sr. padre Amaro foi criado comigo em Benfica?

Amaro fez-se vermelho: sentia que Teresa pousava sobre ele os seus belos olhos dum negro úmido como o cetim preto coberto de água.

- Está na província agora? perguntou ela, bocejando um pouco.

- Sim, minha senhora, vim há dias.

- Na aldeia? continuou ela, abrindo e cerrando vagarosamente o seu leque.

Amaro via pedras preciosas reluzirem nos seus dedos finos; disse, acariciando o cabo do guarda-sol:

- Na serra, minha senhora.

- Imagina tu, acudiu a condessa, é um horror! Há sempre neve, diz que a igreja não tem telhado, são tudo pastores. Uma desgraça! Eu pedi ao ministro a ver se o mudávamos. Pede-lhe tu também...

- O quê? disse Teresa.

A condessa contou que Amaro requerera para uma paróquia melhor. Falou de sua mãe, da amizade que ela tinha a Amaro...

- Morria-se por ele. Ora um nome que ela lhe dava... Não se lembra?

- Não sei, minha senhora.

- Frei Maleitas!... Tem graça! Como o Sr. Amaro era amarelito, sempre metido na capela...

Mas Teresa, dirigindo-se à condessa:

- Sabes com quem se parece este senhor?

A condessa afirmou-se, o rapaz rechonchudo fincou a luneta.

- Não se parece com aquele pianista do ano passado? continuou Teresa. Não me lembra agora o nome...

- Bem sei, o Jalette, disse a condessa. - Bastante. No cabelo, não.

17

- Está visto, o outro não tinha coroa!

Amaro fez-se escarlate. Teresa ergueu-se arrastando a sua soberba cauda, sentou-se ao piano.

- Sabe música? perguntou, voltando-se para Amaro.

- A gente aprende no seminário, minha senhora.

Ela correu a mão, um momento, sobre o teclado de sonoridades profundas, e tocou a frase do Rigoleto, parecida com o Minuete de Mozart, que diz Francisco I, despedindo-se, no sarau do primeiro ato, da senhora de Crécy, - e cujo ritmo desolado tem a abandonada tristeza de amores que findam, e de braços que se desenlaçam em despedidas supremas.