Para o lado de onde o rio vem são colinas baixas, de formas arredondadas, cobertas da rama verde-negra dos pinheiros novos; embaixo, na espessura dos arvoredos, estão os casais que dão àqueles lugares melancólicos uma feição mais viva e humana - com as suas alegres paredes caiadas que luzem ao sol, com os fumos das lareiras que pela tarde se azulam nos ares sempre claros e lavados. Para o lado do mar, para onde o rio se arrasta nas terras baixas entre dois renques de salgueiros pálidos, estende-se até os primeiros areais o campo de Leiria, largo, fecundo, com o aspecto de águas abundantes, cheio de luz. Da Ponte pouco se vê da cidade; apenas uma esquina das cantarias pesadas e jesuíticas da Sé, um canto do muro do cemitério coberto de parietárias, e pontas agudas e negras dos ciprestes; o resto está escondido pelo duro monte ouriçado de vegetações rebeldes, onde destacam as ruínas do Castelo, todas envolvidas à tarde nos largos vôos circulares dos mochos, desmanteladas e com um grande ar histórico.
Ao pé da Ponte, uma rampa desce para a alameda que se estende um pouco à beira do rio. É um lugar recolhido, coberto de árvores antigas. Chamam-lhe a Alameda Velha. Ali, caminhando devagar, falando baixo, o cônego consultava o coadjutor sobre a carta de Amaro Vieira, e sobre ' uma idéia que ela lhe dera, que lhe parecia de mestre! De mestre!'' Amaro pedia-lhe com urgência que lhe arranjasse uma casa de aluguel, barata, bem situada, e se fosse possível mobilada; falava sobretudo de quartos numa casa de hóspedes respeitável. "Bem vê o meu caro padre-mestre, dizia Amaro, que era isto o que verdadeiramente me convinha; eu não quero luxos, está claro: um quarto e uma saleta seria o bastante. O
que é necessário é que a casa seja respeitável, sossegada, central, que a patroa tenha bom gênio e que não peça mundos e fundos; deixo tudo isto à sua prudência e capacidade, e creia que todos estes favores não cairão em terreno ingrato. Sobretudo que a patroa seja pessoa acomodada e de boa língua."
- Ora a minha idéia, amigo Mendes, é esta: metê-lo em casa da S. Joaneira! resumiu o cônego com um grande contentamento. É rica idéia, hem!
- Soberba idéia, disse o coadjutor com a sua voz servil.
- Ela tem o quarto de baixo, a saleta pegada e o outro quarto que pode servir de escritório. Tem boa mobília, boas roupas...
- Ricas roupas, disse o coadjutor com respeito.
O cônego continuou:
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- É um belo negócio para a S. Joaneira: dando os quartos, roupas, comida, criada, pode muito bem pedir os seus seis tostões por dia. E depois sempre tem o pároco de casa.
- Por causa da Ameliazinha é que eu não sei - considerou timidamente o coadjutor. - Sim, pode ser reparado. Uma rapariga nova... Diz que o senhor pároco é ainda novo... Vossa senhoria sabe o que são línguas do mundo.
O cônego tinha parado:
- Ora histórias! Então o padre Joaquim não vive debaixo das mesmas telhas com a afilhada da mãe? E o cônego Pedroso não vive com a cunhada, e uma irmã da cunhada, que é uma rapariga de dezenove anos? Ora essa!
- Eu dizia... atenuou o coadjutor.
- Não, não vejo mal nenhum. A S. Joaneira aluga os seus quartos, é como se fosse uma hospedaria. Então o secretário-geral não esteve lá uns poucos de meses?
- Mas um eclesiástico... insinuou o coadjutor.
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