O curioso caso de Benjamin Button (Coleção 96 Páginas)

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O curioso caso de Benjamin Button

I

No distante ano de 1860, a coisa mais normal era nascer em casa. Hoje em dia, segundo me dizem, os altos deuses da medicina decretaram que o primeiro choro dos jovens precisa ser emitido no ar anestésico de um hospital, de preferência um hospital elegante. De modo que os jovens sr. e sra. Roger Button estavam cinquenta anos à frente da moda quando decidiram, certo dia no verão de 1860, que o primeiro bebê deles deveria nascer num hospital. Se esse anacronismo teve alguma relação com a história espantosa que estou prestes a encetar, isso é algo que nunca se saberá.

Vou contar a vocês o que ocorreu, e vocês que julguem por conta própria.

Os Roger Button viviam numa invejável posição, tanto social quanto financeira, na Baltimore de antes da guerra. Eram aparentados com Esta Família e Aquela Família, o que, como todos os sulistas sabem, lhes dava o direito de pertencer àquela enorme aristocracia que povoava, em grande parte, a Confederação. Tratava-se da primeira experiência do casal com o antigo e encantador costume de ter bebês – o sr. Button estava naturalmente nervoso. Ele esperava que o bebê fosse um menino, de forma que pudesse ser enviado à Yale College, em Connecticut, instituição na qual o próprio sr. Button tinha sido conhecido, durante quatro anos, pelo apelido um pouco óbvio de “Cuff”.[1]

Na manhã de setembro consagrada ao enorme acontecimento, ele despertou com nervosismo às seis horas, vestiu-se, ajustou um nó impecável na gravata e saiu às pressas pelas ruas de Baltimore, rumo ao hospital, para determinar se a escuridão da noite havia dado à luz bruxuleante uma nova vida.

Quando estava mais ou menos a cem metros do Hospital Particular de Maryland para Damas e Cavalheiros, viu o dr. Keene, o médico da família, descendo a escadaria da frente, esfregando as mãos com um movimento de lavagem – como todos os médicos costumam fazer, por imposição da ética não escrita da profissão.

O sr. Roger Button, presidente do Roger Button & Co., Atacado de Ferragens, começou a correr em direção ao dr. Keene com muito menos dignidade do que poderíamos esperar de um cavalheiro sulista daquela época pitoresca.

– Dr. Keene! – ele chamou. – Ei, dr. Keene!

O doutor ouviu o chamado, virou-se e ficou esperando, uma expressão curiosa tomando conta do seu rosto severo e medicinal enquanto dele se aproximava o sr. Button.

– O que aconteceu? – quis saber o sr. Button ao chegar mais perto, perdendo o fôlego. – Ele é o quê? Como ela está? É um menino? Como é? Como...

– Fale alguma coisa que faça sentido! – o dr. Keene exclamou, de modo áspero; parecia estar um pouco irritado.

– A criança nasceu? – implorou o sr. Button.

O dr. Keene franziu o cenho.

– Ah, sim, suponho que sim... de certa maneira.

Mais uma vez ele lançou um olhar curioso ao sr. Button.

– Está tudo bem com a minha esposa?

– Sim.

– É um menino ou uma menina?

– Escute uma coisa! – exclamou o dr. Keene, na plenitude da irritação. – Vou pedir a você que vá ver por conta própria. Ultraje!

Soltou esta última palavra quase numa única sílaba e se afastou, resmungando:

– Acha que um caso desses vai contribuir para a minha reputação profissional? Mais um caso desses me arruinaria... arruinaria qualquer um.

– Qual é o problema? – quis saber o sr. Button, apavorado.