Ela fungou.
– Você acha que isso é algo para ficar se vangloriando?
– Eu não estou me vangloriando – ele afirmou, desconfortável.
Ela fungou de novo.
– Que ideia... – Hildegarde disse, calando-se por um momento. – Pensei que você tivesse orgulho suficiente, que pararia com isso.
– Como seria possível? – ele perguntou.
– Não vou discutir com você – retorquiu ela. – Mas há uma maneira certa de fazer as coisas e uma maneira errada. Se você botou na cabeça que vai ser diferente de todas as outras pessoas, não creio que possa impedi-lo, mas realmente não acho que isso seja muito atencioso.
– Mas, Hildegarde, eu não consigo evitar.
– Consegue, sim. Você é simplesmente teimoso. Acha que não quer ser igual a ninguém. Você sempre foi assim e sempre será. Mas pense apenas como seria se todas as outras pessoas encarassem as coisas como você... como seria o mundo?
Sendo aquele um argumento irrespondível e oco, ele não retorquiu, e dali em diante um abismo começou a se alargar entre os dois. Era um enigma, para Benjamin, que Hildegarde já tivesse exercido alguma fascinação sobre ele.
Para intensificar a ruptura ele constatou, enquanto avançava o novo século, que sua sede por divertimentos ganhava mais força. Não havia uma única festa de qualquer tipo na cidade de Baltimore na qual não marcasse presença, dançando com as jovens casadas mais bonitas, conversando com as debutantes mais populares e se deslumbrando com a companhia delas, enquanto sua esposa, uma matrona de mau agouro, permanecia sentada entre as aias, ora em altiva desaprovação, ora vigiando as ações dele com olhos solenes, perplexos e recriminadores.
– Vejam! – as pessoas comentavam. – Que lástima! Um sujeito tão jovem acorrentado a uma mulher de 45. Ele deve ser vinte anos mais novo do que a esposa.
As pessoas haviam esquecido – como inevitavelmente costumam esquecer – que tempos antes, em 1880, suas mamães e seus papais também tinham feito comentários sobre esse mesmo casal malformado.
A crescente infelicidade de Benjamin em casa era compensada por inúmeros novos interesses. Ele começou a praticar golfe e fez grande sucesso. Dedicou-se à dança: em 1906, era um especialista em “Boston” e, em 1908, era considerado proficiente em “Maxixe”, ao passo que, em 1909, o seu “Castle Walk” foi invejado por todos os rapazes da cidade.
As atividades sociais, é claro, interferiam em certa medida nos seus negócios, mas agora ele já trabalhara duro no atacado de ferragens ao longo de 25 anos e sentia que logo poderia transferir o comando ao filho, Roscoe, que se graduara recentemente por Harvard.
O filho e ele, com efeito, eram várias vezes confundidos um com o outro. Isso agradava Benjamin – ele logo esqueceu o medo insidioso que havia se apoderado dele no regresso da Guerra Hispano-Americana e passou a extrair um prazer ingênuo de sua aparência. Restava uma única mosca no delicioso manjar: ele detestava aparecer em público com sua esposa. Hildegarde tinha quase cinquenta anos, e só de olhar para ela Benjamin sentia-se absurdo...
IX
Num belo dia, em setembro de 1910 – poucos anos após a transferência do Roger Button & Co., Atacado de Ferragens, ao jovem Roscoe Button –, um homem, aparentando cerca de vinte anos de idade, inscreveu-se como calouro na Universidade de Harvard, em Cambridge. Ele não cometeu o equívoco de anunciar que nunca faria cinquenta anos de novo, tampouco mencionou o fato de que o filho se graduara naquela mesma instituição dez anos antes.
O homem foi admitido e obteve quase de imediato uma posição proeminente na turma, em parte por parecer um pouco mais velho do que os outros calouros, cujas idades giravam em torno dos dezoito anos.
Mas seu sucesso foi devido sobretudo ao fato de que no jogo de futebol americano com Yale ele foi tão brilhante, atuou com tamanho ímpeto e uma fúria tão fria e desapiedada que acabou marcando sete touchdowns e catorze field goals para Harvard e ainda fez com que um time inteiro de Yale saísse de campo – onze homens foram carregados, um por um, inconscientes. Ele era o homem mais célebre da faculdade.
Por mais estranho que pareça, em seu terceiro ou penúltimo ano ele mal conseguiu ser “chamado” para o time. Os treinadores diziam que o jovem perdera peso, e os mais observadores percebiam que já não era tão alto como antes. Ele nunca mais fez nenhum touchdown – na verdade, foi mantido na equipe principalmente na esperança de que sua enorme reputação causasse terror e desorganização na equipe de Yale.
Em seu último ano, não foi sequer chamado para o time. Ele ficara tão delgado e frágil que certo dia foi tratado como calouro por alguns segundanistas, um incidente que o deixou terrivelmente humilhado. Ficou conhecido como uma espécie de prodígio – um aluno do último ano que seguramente não tinha mais do que dezesseis anos – e se sentia não raro chocado com o mundanismo de alguns dos colegas. Seus estudos pareciam-lhe mais difíceis – ele achava que as matérias eram avançadas demais. Ouvira os colegas falando sobre St. Midas, a famosa escola preparatória na qual tantos deles haviam se preparado para a faculdade, e determinou que depois de sua formatura ele mesmo ingressaria na St. Midas, onde a vida protegida entre rapazes do seu próprio tamanho lhe seria mais conveniente.
Após sua formatura, em 1914, retornou para Baltimore com o diploma de Harvard no bolso. Hildegarde estava residindo agora na Itália, portanto Benjamin foi morar com o filho, Roscoe.
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