O Desaparecido

contracapa

Publicado por Max Brod em 1927 com o título de Amerika, mas designado pelo próprio autor como O desaparecido, este é o primeiro romance de Franz Kafka. Nele, o leitor acompanha as andanças do jovem Karl Rossmann pelo território norte-americano, desde seu desembarque em Nova York vindo da Alemanha até uma insólita viagem de trem rumo ao oeste para juntar-se a uma trupe de teatro.
Banido pelos pais, enganado pelos amigos, sujeito aos tratamentos mais abusivos, Rossmann espelha em sua trajetória a condição desnorteante do sujeito moderno, dotado de uma dimensão épica que lhe é, no entanto, continuamente negada. Assim, o protagonista se move em meio a um labirinto de situações que passam, num segundo, do factual ao fantasioso, do cômico ao grotesco, do sensual ao irônico, sem que possamos apreender, em última instância, em que consiste a realidade.
A tradução de Susana Kampff Lages toma por base a edição crítica alemã de 1983 e incorpora fragmentos que nunca constaram das edições anteriores do livro, de modo a proporcionar ao leitor um contato renovado com a poderosa singularidade que constitui a escrita de Kafka.
editora∎34
orelhas
Apesar de ser o primeiro romance escrito por Franz Kafka (1883-1924), O desaparecido só seria publicado, com o título de Amerika, em 1927, após O processo (1925) e O castelo (1926). Os três romances ficaram “inacabados” e sofreram certas “adaptações” da parte do amigo de Kafka, Max Brod, que herdara o espólio do grande escritor de Praga com a incumbência de destruí-lo. Brod, sabidamente, não apenas não cumpriu essa cláusula do testamento de Kafka, como tratou de editar e divulgar a sua obra. Com a presente publicação, o leitor brasileiro tem acesso pela primeira vez a uma tradução de O desaparecido realizada a partir de sua edição crítica, estabelecida por Jost Schillemeit em 1983, que recupera o texto original da obra e assinala passagens suprimidas nos manuscritos do autor.
Redigido entre 1912 e 1914, este livro é uma espécie de antirromance de formação, uma vez que Kafka se lança em uma tentativa paradoxal de narrar histórias em uma era pós-narrativa. Em vez de contar histórias que se desdobram no tempo, ele descreve instantâneos que revelam a triste situação do sujeito e de sua desaparição na modernidade. Daí o romance se chamar, com razão, O desaparecido. Daí também o autor eleger a América, mais especificamente os Estados Unidos, como seu cenário. O Novo Mundo permite apresentar de modo especialmente gritante a situação do homem moderno como alguém que não tem história — ou caráter. A isso corresponde uma nova experiência do tempo: este não se decanta mais em experiência. Karl Rossmann, o protagonista do romance, sempre volta a ser julgado e condenado — desde sua cidade natal, na Europa, de onde seus pais o baniram, passando pelo tio, pelos conhecidos desse tio, por seus empregadores e “amigos”.
As figuras de Kafka costumam habitar um local indeterminado, entre o mundo dos homens, dos animais e das coisas. Neste livro, Robinson, um desses "amigos", aparece como um meio-termo entre um cachorro e uma criança chorona. Ao mesmo tempo, os representantes do poder normalmente têm dimensões monumentais em Kafka: assim ocorre com o grande capitalista senhor Green, bem como com toda a paisagem norte-americana urbana e natural. Desse modo, tudo beira o grotesco, o que lembra tanto a tradição rabelaisiana — sobretudo com a figura enorme de Brunelda — como o cinema de um Chaplin.
Como nas demais obras de Kafka, aqui também o leitor tem a impressão de penetrar em uma mina de ouro labiríntica: a cada palavra lida, ele se surpreende com um novo filão. Tenta julgar o valor de cada pepita, mas faltam-lhe parâmetros. Fica tão desamparado quanto os personagens do livro. Mas com a diferença que o material de sua angústia é nobre. Rossmann não só está próximo do mundo animal (Ross significa cavalo, e o universo equino está bem representado em várias páginas do livro), mas também o jovem rapaz quer ser engenheiro. Seu fetiche é a técnica: seu destino era a América.
Franz Kafka tinha como projeto literário transformar o “resto”, o “esquecido”, o “lixo”, na matéria central da literatura. Daí ser quase impossível identificarmo-nos com seus personagens. Nem narração, nem identificação: a literatura teve que se adequar, com Kafka, a um novo jogo, onde a literalidade é tão corpórea que pode provocar náuseas nos leitores mais sensíveis — e risos naqueles que, como o próprio autor, sabiam extrair esperança da descrição da aridez da paisagem do século XX.
Márcio Seligmann-Silva
EDITORA 34
Editora 34 Ltda.
Rua Hungria, 592 Jardim Europa CEP 01455-000
São Paulo - SP Brasil Tel/Fax (11) 3811-6777 www.editora34.com.br
Copyright © Editora 34 Ltda., 2003
Tradução © Susana Kampff Lages, 2003
A publicação desta obra contou com subsídios do Goethe-Institut Inter Nationes, de Bonn, República Federal da Alemanha.
A FOTOCÓPIA DE QUALQUER FOLHA DESTE LIVRO É ILEGAL E CONFIGURA UMA APROPRIAÇÃO INDEVIDA DOS DIREITOS INTELECTUAIS E PATRIMONIAIS DO AUTOR.
Edição conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Título original:
Der Verschollene
Ilustrações das páginas 11 e 239:
Bicos de pena de Franz Kafka
Capa, projeto gráfico e editoração eletrônica:
Bracher & Malta Produção Gráfica
Revisão:
Cide Piquet
Revisão técnica:
Paulo Oliveira
Ia Edição - 2003, 2a Edição - 2004 (1ª Reimpressão), 3a Edição - 2012
Catalogação na Fonte do Departamento Nacional do Livro
(Fundação Biblioteca Nacional, RJ, Brasil)
Kafka, Franz, 1883-1924
K16d O desaparecido ou Amerika / Franz Kafka;
tradução, notas e posfácio de Susana Kampff Lages.
— São Paulo: Editora 34, 2012 (3a Edição).
304 p.
Tradução de: Der Verschollene
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7326-273-5
1. Ficção alemã. I. Lages, Susana Kampff.
II. Título.
CDD - 833O
sumário
O DESAPARECIDO OU AMERIKA
Nota da tradutora
I. O foguista
II. O tio
III. Uma casa de campo nos arredores de Nova York
IV. A marcha para Ramses
V. No Hotel Occidental
VI.
1 comment