Não havia sinal de presença humana, mas uma janela revelava a existência de fogo. Vendo aquela janela iluminada por chamas desiguais como ondas, acreditei num começo de incêndio. A porta de ferro do jardim estava entreaberta. Espantei-me com tamanha negligência. Procurei a sineta; não a encontrei. Enfim, transpondo os três degraus do pórtico, decidi-me a bater na vidraça da direita, atrás da qual ouvia vozes. Uma velha abriu a porta. Perguntei-lhe onde morava a sra. Lacombe (era este o novo sobrenome de Marthe). "É em cima."
Subi a escada na escuridão, aos trancos e barrancos, morrendo de medo de que algo de ruim houvesse ocorrido. Bati. Foi Marthe quem me atendeu. Quase lhe saltei ao pescoço, como fazem as pessoas que mal se conhecem, ao escapar de um naufrágio. Ela não compreenderia. Sem dúvida me achou alterado, pois antes de qualquer coisa eu perguntei por que havia fogo.
— É que enquanto esperava você acendi a lareira da sala com madeira de oliva, e fiquei lendo à luz do fogo.
Ao entrar no pequeno quarto que lhe servia de sala, não muito mobiliado, mas cujas tapeçarias e grossos tapetes, macios como pelo de animal, tornavam mais estreito, dando-lhe o aspecto de uma caixa, senti-me simultaneamente feliz e infeliz, como um dramaturgo que, ao ver sua peça encenada, tarde demais descobre algumas falhas.
Marthe se deitara novamente diante da lareira, atiçando o fogo, cuidando para não misturar o carvão à cinza.
— Será que você não gosta do cheiro da oliva? Foram meus sogros que me mandaram uma provisão de sua propriedade do Sul.
Marthe parecia se desculpar por um detalhe de sua autoria, naquele cômodo que era obra minha. Talvez esse elemento destruísse um conjunto que ela compreendia mal.
Pelo contrário. Aquele fogo me encantava, assim como ver que ela, como eu, esperava sentir um lado do corpo bem quente antes de virar o outro. Seu rosto sério e calmo nunca me pareceu tão belo como àquela luz selvagem. Por não se difundir no resto da sala, a luz guardava toda a sua intensidade. A pouca distância, tudo era escuro, uma pessoa poderia se bater nos móveis.
Marthe ignorava o que é ser brincalhona. Mesmo contente permanecia grave.
Meu espírito se entorpecia pouco a pouco a seu lado, e eu a achava diferente. É que, agora que estava certo de não mais ter amor a Marthe, começava a amá-la. Sentia-me incapaz de cálculos e maquinações, de tudo o que até esse momento, nele inclusive, pensava que o amor não podia dispensar. De repente, eu me sentia melhor. Essa mudança brusca teria aberto os olhos a qualquer um, mas eu não via que estava apaixonado por Marthe. Pelo contrário, via nisso a prova de que meu amor morrera, e que uma bela amizade o substituiria. Essa longa perspectiva de amizade me fez, de súbito, admitir o quanto algum outro sentimento seria criminoso, prejudicando um homem que a amava, a quem ela deveria pertencer, e que não podia vê-la.
Outra coisa, porém, dizia mais acerca de meus verdadeiros sentimentos. Alguns meses antes, ao encontrar Marthe, meu pretenso amor não me impedira de achar feia a maioria das coisas que ela achava belas, e infantil a maioria das coisas que ela dizia. Agora, se não pensava como ela, considerava-me errado. Após a rudeza de meus primeiros desejos, era a doçura de um sentimento mais profundo que me enganava.
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