Tendo uma meia hora de espera, sentamo-nos na varanda de um café. Tive de tolerar os cumprimentos da sra. Grangier, que me rebaixavam. Lembravam a sua filha que eu não passava de um aluno de liceu, a um ano de concluir o curso. Marthe quis granadina,8 o que também pedi. Naquela mesma manhã teria me sentido humilhado bebendo granadina. Meu pai não entendia. Sempre me deixava tomar aperitivos. Temi que gracejasse com minha moderação. Ele o fez, mas com meias-palavras, de modo que Marthe não notasse que eu bebia groselha para acompanhá-la.
Chegando a F..., despedimo-nos dos Grangier. Prometi a Marthe levar-lhe na quinta-feira seguinte a coleção do jornal Le Mot e Uma temporada no inferno.9
— Mais um título que meu noivo adoraria! — disse ela rindo.
— Ora, Marthe! — disse, franzindo a sobrancelha, sua mãe, sempre chocada por tal insubordinação.
Meu pai e meus irmãos estavam aborrecidos — que importa? A felicidade é egoísta.
No dia seguinte, na escola, não senti necessidade de contar a René, a quem tudo confiava, os acontecimentos do domingo. Não estava com disposição para ouvi-lo caçoar por eu não haver beijado Marthe às escondidas. Outra coisa me espantava: é que naquele dia eu o achava menos diferente dos outros colegas.
Sentindo amor por Marthe, eu o subtraia a René, a meus pais, a minhas irmãs.
Eu me propunha o esforço de vontade de não ir vê-la antes do dia de nosso encontro. Porém, na terça-feira à tarde, incapaz de esperar mais, soube encontrar para minha fraqueza desculpas boas o bastante que me permitissem levar o livro e os jornais depois do jantar. Nessa impaciência, dizia a mim mesmo, Marthe veria a prova de meu amor, e, recusando-se a vê-la, eu saberia obrigá-la a tanto.
Durante um quarto de hora corri como um louco até sua casa. Então, temendo incomodá-la durante a refeição, esperei dez minutos junto à grade, molhado de suor. Contava que durante esse tempo as batidas do coração voltassem ao normal. Pelo contrário, aumentaram.
Quase dei meia-volta, mas de uma janela vizinha uma mulher me olhava curiosamente havia alguns minutos, querendo saber o que eu fazia encostado ao portão. Ela fez com que eu me decidisse. Toquei a campainha. Entrei na casa. Perguntei à doméstica se a senhora estava. Um instante depois, a sra. Grangier apareceu na saleta a que eu fora levado. Tive um sobressalto, como se fosse obrigação da doméstica compreender que eu dissera "senhora" por conveniência, querendo na verdade ver a srta. Grangier. Ruborizando, roguei à sra. Grangier que me desculpasse por importuná-la a tal hora, como se fosse uma hora da madrugada: não podendo vir quinta-feira, trazia o livro e os jornais para sua filha.
— Perfeito — respondeu —, porque Marthe não poderia mesmo receber você. O noivo dela obteve uma licença, quinze dias antes do .que esperava. Ele chegou ontem, e esta noite Marthe janta com os futuros sogros.
Fui-me embora, então.
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