Acreditando nunca mais ter oportunidade de revê-la, esforçava-me em não mais pensar nela e, por isso mesmo, era só o que fazia.
Entretanto, um mês depois, de manhã, ao saltar do meu trem na estação da Bastilha, vi-a descer de outro. la fazer várias compras, em vista do casamento. Pedi que me acompanhasse até o colégio.
— Olhe — disse ela —, no ano que vem, quando você estiver na segunda série, meu sogro será seu professor de geografia.
Vexado por ela me falar de estudos, como se qualquer outro assunto não fosse adequado à minha idade, respondi-lhe secamente que seria interessante.
Ela franziu as sobrancelhas. Lembrei-me de sua mãe.
Chegamos ao Henri IV e, não querendo deixá-la com essas palavras que podiam tê-la ferido, decidi entrar uma hora mais tarde, depois da aula de desenho. Fiquei contente de que Marthe não demonstrasse prudência nessa ocasião e não me repreendesse, antes parecesse agradecida pelo meu sacrifício, na verdade nenhum. Fiquei-lhe reconhecido que não propusesse, em troca, acompanhá-la nas compras, mas me desse seu tempo como eu lhe dava o meu.
Estávamos agora no jardim de Luxembourg. Soaram nove horas no relógio do Senado. Renunciei ao colégio. Tinha no bolso, por milagre, mais dinheiro do que os colegiais recebem em dois anos, pois na véspera vendera meus selos mais raros na bolsa de selos atrás do teatro de marionetes, na Champs-Elysées.
Durante a conversa, como Marthe havia dito que almoçaria com os sogros, resolvi convencê-la a ficar comigo. Soaram nove e meia. Marthe sobressaltou-se, pouco habituada a que alguém abandonasse por ela todas as obrigações escolares. Mas vendo que eu permanecia em minha cadeira de ferro, não teve coragem de lembrar que eu deveria estar sentado nos bancos do Henri IV.
Permanecemos imóveis. Assim deve ser a felicidade. Um cão saltou do tanque e se sacudiu. Marthe se levantou, como alguém que depois da sesta, o rosto ainda coberto de sono, sacode seus sonhos. Fez alguns movimentos de ginástica com os braços. Mau presságio para nossa harmonia, pensei.
— Essas cadeiras são muito duras — disse, como que pedindo desculpas por estar de pé.
Ela estava com um vestido de seda, amarrotado depois de se sentar. Não pude deixar de imaginar os desenhos imprimidos na pele pelo assento de ferro.
— Vamos, acompanhe-me até as lojas, já que está mesmo decidido a não ir à aula — disse Marthe, aludindo pela primeira vez ao que eu negligenciava por ela.
Acompanhei-a a várias lojas femininas, impedindo-a de comprar o que lhe agradava, mas não a mim. Por exemplo, evitando o rosa, que me incomoda, e que era sua cor favorita.
Após essas primeiras vitórias, era preciso obter de Marthe que não almoçasse com seus sogros. Não a acreditando capaz de mentir pelo simples prazer de minha companhia, procurava o que a levaria a me acompanhar na vadiação. Ela sonhava em conhecer um bar americano. Não ousava pedir ao noivo que a levasse. Aliás, ele ignorava os bares. Aí estava meu pretexto. Sua recusa, expressa num tom de genuína decepção, fez-me pensar que viria. Ao cabo de uma meia hora, tendo usado de tudo para convencê-la, e não mais insistindo, rumei com ela para a casa de seus sogros, com o estado de espírito de um condenado à morte esperando que no último momento um milagre o salve do suplício. Eu via se aproximar a rua, sem que nada acontecesse. De repente, batendo no vidro, Marthe fez com que o motorista de táxi parasse diante de uma agência do correio.
— Espere um segundo. Vou telefonar a minha sogra, dizendo que estou num bairro muito distante para chegar a tempo.
Ao fim de alguns minutos, não aguentando mais a impaciência, divisei uma vendedora de flores e escolhi algumas rosas vermelhas, uma por uma, fazendo um buquê. Pensava menos na alegria de Marthe que na sua necessidade de mentir mais uma vez naquela noite, para explicar a seus pais de onde vinham as rosas.
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