Joaninha aqui, nesta cadeira; D. Cesária, deste lado, em pé,

e o Sr. Camilo entra por aquela porta... Assim, não: olhe, assim de

maneira que...

Teso na cadeira, o Rangel estava atônito. Donde vinha esse fura-

cão? E o furacão ia soprando, levando os chapéus dos homens, e des-

penteando as moças, que riam de contentes: Queirós daqui, Queirós

dali, Queirós de todos os lados. Rangel passou da estupefação à mor-

tificação. Era o cetro que lhe caía das mãos. Não olhava para o

outro, não se ria do que ele dizia, e respondia-lhe seco. Interiormente,

mordia-se e mandava-o ao diabo, chamava-o bobo alegre, que fazia

rir e agradava, porque nas noites de festa tudo é festa. Mas, repe-

tindo essas e piores causas, não chegava a reaver a liberdade de espí-

rito. Padecia deveras, no mais íntimo do amor-próprio; e o pior é

que o outro percebeu toda essa agitação, e o péssimo é que ele per-

cebeu que era percebido.

Rangel, assim como sonhava os bens, assim também as vinganças.

De cabeça, espatifou o Queirós; depois cogitou a possibilidade de

um desastre qualquer, uma dor bastava, mas cousa forte, que levasse

dali aquele intruso. Nenhuma dor, nada; o diabo parecia cada vez

mais lépido, e toda a sala fascinada por ele. A própria Joaninha, tão

acanhada, vibrava nas mãos de Queirós, como as outras moças; e

todos, homens e mulheres, pareciam empenhados em servi-lo. Tendo

ele falado em dançar, as moças foram ter com o tio Rufino, e pedi-

ram-lhe que tocasse uma quadrilha na flauta, uma só, não se lhe

pedia mais.

-- Não posso, dói-me um calo.

-- Flauta? bradou o Calisto. Peçam ao Queirós que nos toque

alguma cousa, e verão o que é flauta... Vai buscar a flauta, Rufino.

Ouçam o Queirós. Não imaginam como ele é saudoso na flauta!

Queirós tocou a Casta Diva. Que cousa ridícula! dizia consigo o

Rangel; -- uma música que até os moleques assobiam na rua. Olha-

va para ele, de revés, para considerar se aquilo era posição de homem

sério; e concluía que a flauta era um instrumento grotesco. Olhou

também para Joaninha, e viu que, como todas as outras pessoas, tinha

a atenção no Queirós, embebida, namorada dos sons da música, e

estremeceu, sem saber porquê. Os demais semblantes mostravam a

mesma expressão dela, e, contudo, sentiu alguma cousa que lhe com-

plicou a aversão ao intruso. Quando a flauta acabou, Joaninha aplau-

diu menos que os outros, e Rangel entrou em dúvida se era o habitual

acanhamento, se alguma especial comoção... Urgia entregar-lhe a

carta.

Chegou a ceia.