Compensou- me a filha com um simpático sorriso, que prometia acolhida cordial, e com um olhar, doce e triste, ao mesmo tempo, daqueles olhos, que, desde o primeiro momento em que a vi, produziram em mim tão forte impressão: olhos de estranha cor verde, sombrios, intensos, obscurecidos por pestanas muito compridas; olhos noturnos, entre dois bandos de cabelos pretos como ébano, ondeados, que lhe desciam sobre a testa e as fontes, quase para dar maior realce à viva brancura da pele.

A casa era modesta; mas já, entre os velhos móveis, notavam-se vários outros, recém-chegados, pretensiosos e ridículos na ostentação de sua novidade demasiado vistosa: duas grandes lâmpadas de maiólica, por exemplo, ainda intactas, com globos de opalina, de estranho feitio, em cima de uma humilíssima mísula, com o plano de mármore amarelado, que sustentava um espelho tetro, numa moldura redonda descascada num ponto ou em outro, que parecia abrir- se no quarto como o bocejo de um esfomeado. Havia, além disso, diante do pequeno divã desconjuntado, uma mesinha de quatro pés dourados e com a superfície de porcelana pintada de cores vivíssimas; um pequeno armário encostado na parede, de charão japonês etc. etc.; e, nesses objetos novos, os olhos de Malagna detinham-se com evidente prazer, como, antes, na licoreira trazida em triunfo pela prima, viúva Pescatore.

As paredes da sala estavam quase inteiramente cobertas de velhas estampas, não feias, algumas das quais Malagna quis que eu admirasse, dizendo que eram obra de Francesco Antonio Pescatore, seu primo, ótimo gravador (que morreu louco, em Turim, acrescentou em voz baixa), cujo retrato também quis me mostrar.

Realizado com suas próprias mãos, sozinho, diante do espelho.

Eu, olhando para Romilda e, depois para a mãe, tinha pensado, pouco antes: ‘‘Vai ver que se parece com o pai!”. Agora, diante do retrato deste, não sabia mais o que pensar.

Não quero me arriscar a suposições ofensivas. Considero Marianna Dondi, viúva Pescatore, sem dúvida, capaz de tudo; mas como imaginar um homem, e, de mais a mais, bonito, que pudesse apaixonar-se por ela? A não ser que se tratasse de um louco mais louco do que o marido.

Contei a Mino as impressões dessa primeira visita. Falei-lhe de Romilda com tão fervorosa admiração, que ele logo se apaixonou por ela, feliz de que eu também a tivesse achado de meu gosto e de ter minha aprovação.

Então, perguntei-lhe quais eram suas intenções: a mãe, sim, tinha todo o aspecto de megera; mas a filha, eu juraria que era honesta. Nenhuma dúvida quanto aos objetivos odiosos de Malagna; era preciso, portanto, a todo custo e quanto antes, salvar a moça.

Mas como? — perguntou Pomino.

Como? Isso veremos. Antes de mais nada, vai ser preciso certificarmo-nos de uma porção de coisas: pesquisar a fundo; estudar bem. Você compreende, não se pode tomar uma decisão assim, do pé para a mão. Deixe o caso comigo: vou ajudá-lo. Estou gostando desta aventura.

Bem... mas... — objetou, então, Pomino, timidamente, começando a inquietar-se de me ver tão exaltado.

Você diria, talvez... eu me casar com ela?

Eu não digo nada, por enquanto. Será que você tem medo?

Não. Por quê?

Porque vejo você muito precipitado. Vá devagar e reflita. Se viermos a saber que ela é, realmente, como deveria ser: boa menina, ajuizada, virtuosa (bonita ela é, não há dúvida, e você gosta dela, não é?), bem, suponhamos que ela esteja, realmente, exposta, pela perversidade da mãe e daquele outro canalha, a um gravíssimo perigo, uma vergonheira, um mercado infame: você hesitaria diante de uma ação meritória, de uma obra santa, de salvação?

Eu não... não! — disse Pomino. — Mas... meu pai?

Ele se oporia? Por que motivo? Pelo dote, não é? Não por outra coisa! Porque ela, você sabe?, é filha de um artista, de um ótimo gravador que morreu... sim, que morreu naturalmente, enfim, em Turim... Mas seu pai é rico e só tem você: pode satisfazer o seu desejo sem olhar para o dote! Se, porém, você não conseguir persuadi-lo amigavelmente, não precisa ter medo: um lindo vôo para fora do ninho e tudo entra nos eixos. Você tem o coração de estopa, Pomino?

Pomino riu, e eu, então, demonstrei-lhe por a mais b que ele nascera marido, tal como se nasce poeta. Descrevi-lhe, em cores muito vivas e sedutoras, a felicidade da vida conjugal com a sua Romilda; o carinho, os cuidados, a gratidão que ela teria por ele, seu salvador. E, para concluir:

Você, agora — disse-lhe —, deve descobrir modo e jeito de se fazer notar por ela e lhe falar e lhe escrever. Neste momento, talvez, uma carta sua poderia ser, para ela, perseguida por aquela aranha, uma tábua de salvação. Entrementes, eu freqüentarei a casa; verei no que resulta, procurarei a ocasião de apresentar você. Estamos entendidos?

Estamos entendidos.

Por que mostrava eu tamanho desejo de fazer Romilda casar-se? Por nenhum motivo. Repito: só pelo gosto de embasbacar Pomino.