Essa é boa! Já disse que ela vinha desabafar na nossa casa; disse que a conhecia desde menina. Agora, via-a chorar por causa do proceder indigno e da estúpida e provocante presunção daquele velho imundo, e... é mesmo preciso eu dizer tudo? Aliás, a resposta foi não; e, portanto, chega.

Consolei-me rapidamente. Tinha, então, ou julgava ter (que é o mesmo), muitas coisas na cabeça. Dispunha também de dinheiro, que, além do mais, traz, afinal, certas idéias que sem ele não se teriam. Porém me ajudava a gastá-lo, à larga, Gerolamo Il Pomino, que nunca o tinha em quantidade suficiente, por causa da sábia parcimônia paterna.

Mino era como a nossa sombra: de mim e de Berto, alternadamente; e mudava, com maravilhosa faculdade simiesca, conforme estivesse com um ou com outro. Quando se grudava com Berto, tomava-se logo um janota; e o pai, então, que tinha algumas veleidades de elegância, alargava um pouco os cordões à bolsa. Mas com Berto ele não ficava muito tempo. Ao ver-se copiado até na maneira de andar, meu irmão perdia logo as estribeiras, talvez por medo do ridículo, e o tratava mal, até conseguir livrar-se da sua presença. Mino, então, voltava a pegar-se a mim; e o pai a apertar os cordões da bolsa.

Eu; com ele, era mais paciente, porque gostava de divertir-me à sua custa. Depois me arrependia. Reconhecia que, por sua causa, me excedera em alguma empresa ou forçara meu gênio ou exagerara a demonstração de meus sentimentos, só pelo gosto de fazê-lo embasbacar ou de metê-lo em alguma trapalhada, da qual, naturalmente, eu também sofria as conseqüências.

Então, Mino, certo dia, durante uma caçada e a propósito de Malagna, cujas proezas com a esposa eu lhe tinha contado, disse-me que havia lançado as vistas sobre uma moça, filha de uma prima de Malagna, pela qual estaria disposto a fazer, de bom grado, alguma burrada grossa. Era capaz disso; tanto mais que a moça não parecia relutante; mas ele, até aquele momento, não tivera sequer ocasião de falar com ela.

O que você não teve foi coragem, confesse! — disse eu, rindo.

Mino negou; mas, ao negar, corou muito.

Falei, porém, com a criada — foi logo acrescentando. E soube de umas boas. Disse-me que o seu Malanno [trocadilho com Malagna, em italiano significa moléstia, desgraça] anda o tempo todo na casa dela e que, assim, pelo jeito, parece-lhe que esteja preparando algum golpe, de acordo com a prima, que é uma velha megera.

— Que golpe?

Sei lá! Diz que ele vai lá chorar suas mágoas porque não tem filhos. A velha, dura, carrancuda, responde-lhe que é o que ele merece. Parece que ela, quando morreu a primeira esposa de Malagna, enfiou na cabeça que o faria se casar com a filha e fez de tudo para consegui-lo; e que, depois, decepcionada, disse cobras e lagartos daquele velho animal, inimigo dos parentes, traidor do seu próprio sangue etc. etc., e que passou uma descompostura na filha, que não soube atrair o tio. Agora, finalmente, que o velho se mostra tão arrependido por não ter feito a felicidade da sobrinha, sabe-se lá que outra pérfida idéia pode ter concebido a bruxa.

Tapei os ouvidos com as mãos, gritando para Mino:

Cale a boca!

Aparentemente, não, mas, no fundo, eu era de fato muito ingênuo, nesse tempo. Apesar disso, informado das cenas que aconteciam e continuavam a acontecer na casa de Malagna, pensei que a desconfiança da criada podia, de certa forma, ter algum fundamento; e quis ver, para o bem de Oliva, se conseguia tirar aquilo a limpo. Pedi a Mino o endereço da bruxa. Mino recomendou-se a mim pela moça.

Não tenha dúvidas — respondi-lhe. — Deixo-a para você, que diabo!

E, no dia seguinte, com a desculpa de uma promissória, cujo vencimento naquele dia viera casualmente, pela manhã, a saber de mamãe, fui desencantar Malagna na casa da viúva Pescatore.

Eu havia corrido de propósito e entrei na casa todo afogueado e suado.

Malagna, a promissória!

Se já não soubesse que ele não tinha a consciência limpa, eu o teria percebido, sem dúvida, nesse dia, ao vê-lo colocar-se de pé, num pulo, todo transtornado, gaguejando:

Que... que pro... que promissória?

A promissória assim e assim, que vence hoje... Quem me mandou foi mamãe, que ficou tão preocupada!

Batta Malagna caiu sentado, soltando, num “ah” interminável, todo o pavor que, por um instante, o oprimira.

Mas está em ordem! Tudo em ordem! Puxa, que susto! Eu a renovei por três meses, pagando os juros, está claro. Você fez essa corrida toda por tão pouco?

E ria, ria, fazendo a barriga balançar violentamente; convidou-me para sentar, apresentou-me às mulheres.

Mattia Pascal. Marianna Dondi, viúva Pescatore, minha prima. Romilda, minha sobrinha.

Fez questão, para que me refizesse da corrida, de que bebesse alguma coisa.

Romilda, se não for incômodo...

Como se estivesse em sua casa.

Romilda levantou-se; olhando a mãe, para aconselhar- se com os olhos dela, e, pouco depois, não obstante os meus protestos, voltou com uma pequena bandeja, onde se achavam um copo e uma garrafa de vermute. Imediatamente, àquela vista, a mãe levantou-se irritada, dizendo à filha:

Mas não! Não! Dê-me cá!

Tirou-lhe a bandeja das mãos e saiu, para voltar, logo em seguida, com outra bandeja, de charão, novinha em folha, que sustentava uma esplêndida licoreira: um elefante prateado com uma barrica de vidro nas costas e uma porção de cálices pendurados em redor, que tiniam.

Eu teria preferido o vermute. Bebi o licor. Malagna e a mãe também beberam. Romilda, não.

Demorei-me pouco, nessa primeira vez, a fim de ter uma desculpa para voltar: disse que estava com pressa de ir tranqüilizar mamãe a respeito da promissória e que iria ali noutro dia, para gozar, com mais vagar, da companhia das senhoras.

Pelo modo como se despediu de mim, não me pareceu que Marianna Dondi, viúva Pescatore, recebesse com muito prazer o anúncio de uma segunda visita de minha parte: mal estendeu-me a mão, uma mão gélida, seca, nodosa, amarelada; e baixou os olhos e apertou os lábios.