O Grande Gatsby

O GRANDE GATSBY

 

 

francis scott key fitzgerald (1896-1940) viveu, no auge de sua carreira, como seus personagens, abastados aristocratas nova-iorquinos. O casamento com Zelda Fitzgerald foi quase tão celebrado quanto seus romances, e sua escrita era considerada a crônica fiel da extravagante Era do Jazz. Estreou na literatura com o romance Este lado do paraíso (1920) e publicou, entre outros, Tales of the jazz age (1922), Suave é a noite (1934), All the sad young men (1926). Postumamente foram publicados o romance inacabado The last tycoon (1941), e The crack-up (1945), uma seleção de ensaios, notas e cartas editada por Edmund Wilson.

Ainda que tenha escolhido retratar a vida fácil dos endinheirados, ele pôs em toda a obra o próprio sentimento ambivalente sobre o “sonho americano”. Os problemas com o alcoolismo e a degeneração mental de Zelda mais tarde o afastariam da literatura. Estava quase esquecido, trabalhando em Hollywood, quando sofreu um ataque do coração fatal em casa, em Los Angeles.

 

 

vanessa barbara nasceu em 1982, é jornalista e escritora. Publicou O livro amarelo do terminal (Cosac Naify, 2008, Prêmio Jabuti de Reportagem), O verão do Chibo (Alfaguara, 2008, em parceria com Emilio Fraia) e o infantil Endrigo, o escavador de umbigo (Ed. 34, 2011). É tradutora e preparadora da Companhia das Letras, cronista da Folha de S.Paulo e colaboradora da revista piauí.

 

 

paul antony tanner (1935-1998) foi um crítico literário inglês apaixonado pela literatura americana. Seu trabalho serviu de inspiração para que a Universidade de Cambridge incluísse na sua grade curricular os primeiros cursos sobre o tema. Em 1964, tornou-se diretor de estudos de língua inglesa no King’s College, Cambridge, onde também lecionou durante 38 anos, de 1960 até sua morte em 1998. Entre as suas publicações estão Adultery in the Novel (1979), Henry James (1985) e Jane Austen (1986).

Sumário

Introdução — Tony Tanner

 

O GRANDE GATSBY

 

Notas

Nota do editor: Os leitores que ainda não conhecem o livro devem levar em conta que detalhes do enredo serão revelados nesta introdução.

Introdução

tony tanner

 

 

De início, não era para se chamar O grande Gatsby.1 Numa carta a Maxwell Perkins (circa 7 de novembro de 1924), Fitzgerald escreveu: “Decidi que vou insistir com o título que dei ao livro, Trimalchio em West Egg”. Trimálquio é o novo-rico vulgar e de imensa fortuna do Satyricon, de Petrônio; um mestre das alegrias gastronômicas e sexuais que oferece um banquete de luxo inimaginável, do qual indiscutivelmente participa — ao contrário de Gatsby, que é um espectador sóbrio e isolado das próprias festas. É um verdadeiro glutão, ao passo que Gatsby mantém uma curiosa distância de tudo o que possui e exibe, tanto que às vezes recua do próprio discurso e o submete à avaliação, como se fossem palavras alheias, e tanto que ostenta camisas que nunca usou, livros que nunca leu e convites para nadar na piscina que nunca utilizou.

Se Fitzgerald concebia Gatsby como uma espécie de Trimálquio americano urdido pela licenciosidade desenfreada dos anos 1920, por certo o sujeitara a uma notável metamorfose. (Gatsby é chamado de Trimálquio apenas uma vez no romance.) Mas há alguns claros traços genealógicos do remoto ancestral de Gatsby. Em Satyricon, Trimálquio é mencionado pela primeira vez na conversa entre dois amigos que discutem onde será a festa daquela noite: “Sabe onde vai ser hoje? Na casa de Trimálquio, um homem muito rico que tem um relógio e um corneteiro de uniforme na sala de jantar, sempre pronto a lhe anunciar quanto tempo de sua vida já passou”. A preocupação de Gatsby com o tempo — seu aprisionamento, recuperação, repetição — é igualmente obsessiva (assim como a de Fitzgerald, que, nas palavras de Malcolm Cowley, parecia escrever cercado de relógios e calendários). Um dos poucos e desajeitados gestos “pontuais” de Gatsby quase resulta na queda de um relógio. Sem dúvida, uma parte dele gostaria de quebrá-los todos. A obsessão se explica em parte pelo medo trimalquiano da transitoriedade — há sempre pouco tempo restante — e, de mais imponente (e mais tolo), pela absoluta recusa em aceitar a irreversibilidade linear da história. “Expulsem o corneteiro”, diria Gatsby, “não quero mais ouvir seu anúncio.”

Quando o antepassado ilustre de Gatsby é visto pela primeira vez, está “intensamente ocupado com uma bola verde, que não podia mais apanhar se tocasse no chão”. Gatsby vem a orientar sua vida com base não numa bola verde, mas numa luz verde. “Há sempre uma luz verde brilhando a noite toda na extremidade do seu cais”, ele diz a Daisy. Vista do outro lado da água (e de tudo o mais) que o separa de Daisy, a luz verde oferece a Gatsby um foco apropriadamente inacessível para seu desejo, algo que dá definição ao anseio enquanto retarda indefinidamente sua consumação, algo para onde esticar os braços, como ele faz, em vez de agarrar, como tenta fazer. A frágil magia do jogo implica manter a luz verde à distância ou, pode-se dizer, manter a bola verde no ar. Ao tocar o chão, a bola verde seria um lembrete forte demais daquela gravidade inelutável que puxa os objetos de volta para a terra, sejam bolas ou sonhos. O mesmo ocorre com a anulação da distância: aproximadas em demasia, as luzes podem perder seu esplendor celestial e retornar à sua mediocridade entediante. Só é possível desejar uma estrela fora do seu alcance.

 

Daisy tomou o braço de Gatsby, mas ele parecia absorto no que acabara de dizer. Talvez lhe ocorresse que o significado colossal daquela luz se esvaíra para sempre. Comparada à enorme distância que o separava de Daisy, a luz lhe parecera antes muito próxima, quase a ponto de tocá-la.