Se a palha lhe causar algum problema, ponha na conta. — E murmurou algo baixinho, dando a impressão de que praguejava.
Era uma figura tão estranha, ali parado, tão agressivo, a ponto de explodir, com uma garrafa numa mão e um tubo de ensaio na outra, que a sra. Hall ficou alarmada. Mas era uma mulher resoluta.
— Neste caso — disse —, eu gostaria de saber, senhor, o que considera...
— Um xelim. Ponha um xelim a mais na conta. Acho que é o bastante, não?
— Então está combinado — disse a sra. Hall, começando a forrar a toalha sobre a mesa. — Se lhe convém...
Durante a tarde inteira ele trabalhou com a porta trancada e, conforme o testemunho da sra. Hall, em silêncio total na maior parte do tempo. Mas a certa altura ouviu-se uma pancada e um entrechocar de garrafas, como se algo tivesse esbarrado na mesa, o estilhaçar de um vidro arremessado ao chão com toda a força, seguido por passos rápidos atravessando a sala. Temendo que algo pudesse acontecer, ela foi depressa até a porta e ficou escutando, com receio de bater.
— Não posso ficar assim... — resmungava ele. — Não posso. Trezentos mil, quatrocentos mil! Toda essa multidão! Fui enganado! Isso vai levar a vida inteira! Paciência... Ora paciência! Idiota, idiota!...
Ouviu-se um ruído de botas aproximando-se da direção do bar, e a sra. Hall, com muita relutância, abandonou seu posto sem escutar o restante do solilóquio. Quando voltou ali a sala estava silenciosa, salvo pelo rangido da cadeira e o ocasional tilintar de uma garrafa. Tinha passado; o estranho estava de novo entregue ao trabalho.
Quando lhe trouxe o chá, ela reparou nos cacos de vidro no canto da sala, perto do espelho, e uma mancha amarela que tinha sido cuidadosamente limpa. Ela fez um gesto indicando o local.
— Ponha na conta — disse o visitante, secamente. — E pelo amor de Deus não me perturbe. Se causei algum prejuízo, ponha na conta. — E concentrou-se em conferir item por item uma lista num caderno aberto à sua frente.
Um pouco depois, já pelo fim da tarde, um grupo estava reunido na pequena cervejaria de Iping Hanger.
— Pois vou dizer uma coisa — disse Fearenside com ar misterioso.
— E então?... — disse Teddy Henfrey.
— O sujeito de quem vocês estão falando, o que meu cachorro mordeu. Ele é negro. Ou pelo menos as pernas dele são. Eu vi através da calça rasgada e do corte na luva. A gente espera ver uma pele cor-de-rosa, é ou não é? Bem: não tinha. Tudo preto. Garanto a vocês, ele é tão negro quanto meu chapéu.
— Caramba! — exclamou Henfrey. — Este é um caso muito estranho, porque o nariz dele é cor-de-rosa, parece até pintado!
— Isso é verdade — concedeu Fearenside.
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