Um soco violento o atingiu em pleno peito, atirando-o para trás; a porta foi batida com violência e trancada por dentro. Foi tão rápido que não lhe deu tempo de registrar nada além de uma sucessão de imagens sem sentido, um soco, uma pancada. E ali ele ficou, caído na passagem mal-iluminada, imaginando o que era aquilo que acabara de ver.
Minutos depois, ele se reuniu ao pequeno grupo que se formara diante do Coach and Horses. Lá estava Fearenside, recapitulando mais uma vez o que acontecera; lá estava a sra. Hall, dizendo que o cachorro não tinha nada que andar mordendo seus hóspedes; lá estava Huxter, o dono da loja do outro lado da rua, fazendo perguntas; e Sandy Wadgers, que trabalhava na forja, avaliando tudo com ar de juiz; além de mulheres e crianças, todos falando sem parar: “A mim é que ele não mordia, isso sim”, “Não está certo andar assim com cachorros”, “E mordeu por que, afinal?” e assim por diante.
O sr. Hall, olhando-os do alto dos degraus, não conseguia crer que tivesse visto algo tão extraordinário no andar de cima. Além do mais, seu vocabulário era muito limitado para poder descrever todas as suas impressões do fato.
— Ele disse que não quer ajuda — falou, em resposta a uma indagação da esposa. — Vamos subir logo essa bagagem.
— Ele devia mandar cauterizar a ferida, e logo — disse ela —, principalmente se estiver inflamada.
— Eu matava esse cachorro, isso sim — disse uma mulher que se juntara ao grupo.
De repente o cachorro voltou a rosnar.
— Vamos logo com isso — disse uma voz irritada no umbral da porta, e ali estava o estranho, encapotado, com a gola erguida e a aba do chapéu abaixada. — Quanto mais rápido trouxerem isso, melhor.
Um transeunte anônimo asseverou, depois, que ele tinha trocado de luvas e de calças.
— O senhor se feriu, moço? — perguntou Fearenside. — Sinto muito se o cachorro...
— Nem um pouco — disse o estranho. — Nem me roçou a pele. Vamos, vamos logo com isso.
E praguejou em voz baixa, segundo o testemunho do sr. Hall.
Assim que a primeira caixa foi, de acordo com suas instruções, carregada para a sala, o estranho atirou-se a ela com enorme energia, abrindo-a, e espalhando a palha do seu interior pelo chão, sem a menor consideração para com o tapete da sra. Hall. Dali de dentro ele começou a extrair garrafas — pequenas garrafas bojudas contendo pós, garrafas pequenas e estreitas contendo fluidos brancos ou coloridos, garrafas azuis e alongadas com rótulo de “Veneno”, garrafas de bojo arredondado e gargalo estreito, enormes garrafas de vidro verde, enormes garrafas de vidro branco, garrafas com rolhas de vidro e rótulo fosco, garrafas com finas cortiças, garrafas com tampas de madeira, garrafas de vinho, garrafas de óleo vegetal — retirando-as e dispondo-as em fileiras no armário sobre o mantel da lareira, sobre a mesa junto à janela, ao longo do piso, na estante de livros... por toda parte. A farmácia local não chegaria a ter nem metade daquele sortimento; era uma cena impressionante. Caixa após caixa foram abertas e somente garrafas brotavam lá de dentro, até que todas estavam vazias e a mesa coberta de palha; as únicas coisas retiradas dali além das garrafas foram uma certa quantidade de tubos de ensaio e uma balança de precisão, cuidadosamente embalada.
Assim que a última caixa ficou vazia, o estranho foi para o lado da janela e pôs-se a trabalhar, não se incomodando nem um pouco com a palha amontoada pelos cantos, com o fogo da lareira que se extinguira, nem com o baú e o resto da bagagem que já tinham sido carregados para o andar superior.
Quando a sra. Hall trouxe-lhe o jantar, ele estava tão absorvido no trabalho, pingando pequenas gotas das garrafas nos tubos de ensaio, que não percebeu sua chegada senão quando ela empurrou a palha para o chão com um gesto enérgico e pousou a bandeja sobre a mesa, com certa ênfase, ao ver o estado em que se encontrava sua sala. Ao ouvir o ruído ele virou um pouco a cabeça e logo lhe deu as costas novamente. Mas ela percebeu que ele tinha removido os óculos, os quais estavam pousados na mesa à sua frente, e teve a impressão de que suas órbitas eram extraordinariamente profundas. Ele pôs os óculos novamente, e só então virou-se para encará-la. A sra. Hall estava prestes a queixar-se a respeito da palha sobre o tapete quando ele se antecipou.
— Gostaria que não entrasse aqui sem bater — disse ele, naquele tom de exasperação extrema que lhe parecia tão característico.
— Eu bati, mas achei que...
— Pode ser. Mas nas minhas investigações... minhas investigações, que são muito urgentes, muito importantes... a menor perturbação, a batida de uma porta... Devo insistir que...
— Certamente, senhor. Pode correr o trinco por dentro, se preferir. Como achar melhor.
— Sim, boa ideia — disse o estranho.
— Essa palha, senhor, se me permite dizer...
— Não se preocupe.
1 comment