No instante seguinte ele estava de pé, ofegante, uma figura bizarra, sem cabeça e sem mãos, porque a luva direita também havia sido arrancada. — Não adianta — disse ele, arquejando, tentando recobrar o fôlego.

Não podia haver nada mais estranho do que aquela voz que parecia emanar do espaço vazio, mas os habitantes do Sussex são talvez os indivíduos mais práticos que existem sob o sol. Jaffers conseguiu pôr-se de pé e extraiu do bolso um par de algemas. E aí se deteve.

— Essa é boa! — exclamou ele, começando a perceber o que a situação tinha de incongruente. — Que diabos, não sei como posso usar isso.

O estranho foi descendo o braço pela frente do casaco, e como por milagre os botões para onde sua manga vazia apontava iam sendo desabotoados. Então ele murmurou algo a respeito do seu joelho e curvou-se; parecia estar mexendo nos sapatos e nas meias.

— Ora essa — disse Huxter de repente. — Isso não é um homem, é uma porção de roupas. Olhe só, eu posso ver através do colarinho, e estou vendo o avesso das roupas. Posso enfiar meu braço...

Ele estendeu a mão mas esta pareceu chocar-se com algo no trajeto, e ele a recolheu com uma exclamação.

— Peço que não enfie o dedo no meu olho — disse aquela voz aérea, num tom de furioso protesto. — Na verdade estou todo aqui: cabeça, mãos, pernas e todo o resto, mas acontece que sou invisível. É um contratempo dos diabos, mas é a verdade. Não é motivo para que cada habitante estúpido de Iping queira me fazer em pedaços, não é mesmo?

O terno, agora todo desabotoado e flutuando sobre suportes invisíveis, permanecia de braços abertos em pleno ar.

Vários outros homens tinham entrado na sala, de modo que àquela altura havia ali uma pequena multidão.

— Invisível, hein? — disse Huxter, ignorando o tom enraivecido do estranho. — Quem já ouviu falar nisso?

— Pode ser fora do comum, mas não é crime. Por que motivo um policial precisa me agredir dessa maneira?

— Ah, isso é outra história — disse Jaffers. — Concordo que com essa luz não posso ver você direito, mas eu trouxe um mandado de prisão e ele tem que ser cumprido. Minha questão aqui não é invisibilidade, é roubo. Arrombaram uma casa e roubaram dinheiro.

— E daí?

— Daí que há certas circunstâncias indicando que...

— Bobagem, absurdo — disse o Homem Invisível.

— Espero que sim, senhor, mas recebi ordens.

— Bem — disse o estranho —, irei com vocês. Garanto que vou. Mas sem algemas.

— É o regulamento — disse Jaffers.

— Sem algemas — insistiu o outro.

— Com licença — disse Jaffers.

De repente o homem sentou no chão e, antes que alguém percebesse o que acontecia, suas meias, calças e cuecas foram arrancadas e jogadas embaixo da mesa. Então ele ficou de pé e jogou o casaco para longe.

— Ei, pare com isso! — gritou Jaffers, percebendo a intenção do outro. Agarrou-o pelo colete, mas a camisa escapou de dentro dele e o deixou nas mãos de Jaffers, vazio e frouxo. — Agarrem-no! — berrou Jaffers. — Se ele tirar o resto...

— Agarrem-no! — gritaram todos, e se precipitaram na direção da camisa branca e flutuante que era agora a última peça visível do estranho.

A manga da camisa plantou um vigoroso murro no rosto de Hall, detendo seu avanço e mandando-o de encontro ao velho sacristão Toothsome; no instante seguinte a camisa ergueu-se no ar, ficando amarfanhada sobre si mesma, como uma camisa que um homem despe por cima da cabeça. Jaffers agarrou-a, mas só fez ajudar a tirá-la mais depressa; um soco violento surgiu do nada e o atingiu na boca, ao que ele ripostou com um golpe de cassetete que atingiu a cabeça de Teddy Henfrey.

— Cuidado! — gritaram todos, agitando os braços em todas as direções, sem sucesso. — Segurem-no! Fechem a porta! Não o deixem sair! Peguei! Aqui!

Era uma verdadeira babel em que todos pareciam estar sendo atingidos ao mesmo tempo, e Sandy Wadgers, precavido como sempre e com os reflexos estimulados por um soco no nariz, escancarou a porta e liderou a debandada. Os outros o seguiram, embaralhando-se por um instante ao cruzar a porta. O espancamento prosseguiu. Phipps, o ministro Unitário, perdeu um dente da frente, e Henfrey teve a cartilagem da orelha partida. Jaffers levou um murro no queixo, e, virando-se, agarrou algo que se interpôs entre ele e Huxter. Teve a sensação de estar tocando um tórax musculoso, e, no instante seguinte, aquele bolo de homens exaltados e vociferantes atingiu o saguão.

— Peguei! — gritava Jaffers, arquejando e rodando por entre os outros, com o rosto afogueado e as veias dilatadas, lutando contra o inimigo invisível.

Homens cambaleavam para lá e para cá enquanto aquela extraordinária refrega evoluía na direção da porta da frente e descia tropeçando os degraus que davam para a rua.