Hall tropeçou e caiu e o sr. Teddy Henfrey saltou para não atropelar a pobre coitada, e ouviram os gritos aterrorizados de Millie, que, fugindo da cozinha ao escutar o tumulto, esbarrou nas costas do homem sem cabeça. E a gritaria só fez aumentar.
Sem demora, todo mundo na rua — o vendedor de doces, o dono do tiro ao coco, o homem do balanço, as crianças, os moços janotas, as mulheres de rua, os velhos enfatiotados e as ciganas de avental —, todos puseram-se a correr para a hospedaria, e num curto espaço de tempo formou-se ali uma multidão de umas quarenta pessoas, que não parava de aumentar, todos empurrando-se, soltando exclamações, fazendo perguntas, acotovelando-se diante do estabelecimento da sra. Hall. Todos falavam ao mesmo tempo, o que resultava numa babel de vozes discordantes. Um pequeno grupo procurava socorrer a sra. Hall, que foi erguida do chão num estado de quase colapso. Houve uma troca apressada de opiniões entrechocando-se com o relato em altas vozes de uma testemunha ocular.
— O monstro!
— O que ele fez?!
— Não feriu a moça, será?...
— Parece que a ameaçou com uma faca!
— Não, não, eu garanto, não tinha cabeça! Não é modo de falar, o homem não tinha cabeça mesmo!
— Bobagem! Era um truque!
— Ele arrancou tudo, eu vi!
Na disputa para ver quem conseguiu espiar pela porta aberta, a multidão formou uma cunha, com os mais corajosos ocupando a ponta. O relato continuou:
— Ele parou ali um instante, eu ouvi a moça gritar, aí vi a saia dela se movendo e ele atrás... Não levou dez segundos! Aí ele entrou na cozinha e voltou com um facão na mão e um pão na outra, e parou ali, só como se estivesse olhando. Agora, agorinha mesmo. E entrou por aquela porta. Estou lhe dizendo, ele não tem cabeça...
Houve um tumulto lá atrás, e a pessoa que falava recuou para dar passagem a uma pequena procissão que marchava resoluta na direção da casa; à frente vinha o sr. Hall, com o rosto muito vermelho e cheio de determinação; atrás dele o sr. Bobby Jaffers, o chefe de polícia local, e depois o cauteloso sr. Wadgers. Vinham agora munidos de um mandado de prisão.
As pessoas passaram a gritar informações desencontradas sobre o que ocorrera.
— Com cabeça ou sem cabeça — decidiu Jaffers —, vim aqui para levá-lo preso, e ele só sai daqui se for preso.
O sr. Hall subiu marchando os degraus, entrou, encaminhou-se direto para a porta da sala e a escancarou.
— Sr. Jaffers — disse —, cumpra o seu dever.
Jaffers marchou para dentro, com Hall nos seus calcanhares e Wadgers por último. Na penumbra da sala, viram uma silhueta de pé, sem cabeça, segurando numa mão uma fatia de pão toda mordiscada e um pedaço de queijo na outra.
— É ele! — exclamou Hall.
— Que diabos é isso?! — Foi a frase que se ouviu, numa mistura de irritação e desafio, vindo aproximadamente da direção do colarinho daquela figura.
— O senhor é um tipo bizarro — disse o sr. Jaffers —, mas com cabeça ou sem cabeça o meu mandado diz para levá-lo, e a lei é a lei.
— Não se aproxime! — exclamou a figura, dando um passo para trás.
De supetão, ele jogou para longe o pão e o queijo, e o sr. Hall agarrou a faca sobre a mesa na tentativa de guardá-la. A luva esquerda do estranho foi arrancada e jogada no rosto de Jaffers, que, interrompendo uma declaração a respeito do mandado que trouxera, agarrou o pulso sem mão do outro e com a outra mão segurou sua garganta invisível. Um chute no joelho o fez gemer de dor mas ele não largou o oponente. Hall arremessou a faca, deslizando sobre a mesa, para Wadgers, que a agarrou com a habilidade de um goleiro, e adiantou-se na direção de Jaffers e do estranho que, engalfinhados, cambaleavam e vinham sobre ele. Uma cadeira que estava no caminho os fez tropeçar e cair sobre ela com estrondo.
— Agarre as pernas! — gritou Jaffers por entre os dentes.
O sr. Hall tentou obedecer mas levou um chute nas costelas que o deixou fora de combate por alguns instantes, enquanto o sr. Wadgers, vendo que o homem decapitado rolava por cima de Jaffers e o subjugava, bateu em retirada rumo à porta, de faca em punho, e colidiu com o sr. Huxter e o cocheiro de Sidderbridge que vinham em socorro da lei e da ordem. O choque derrubou algumas garrafas do armário, e um odor pungente invadiu a sala.
— Eu me rendo — gritou o estranho, embora estivesse a cavalo sobre Jaffers.
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