Mas um cavalheiro andarilho tem que dar muita atenção ao que calça. E, acredite ou não, não consegui, nesta bendita região, nada melhor do que isso aí. Olhe só! E isto aqui é um bom lugar para se conseguir botas, de um modo geral. Bem, digamos que a sorte não me foi fiel. Arranjo botas nesta região há dez anos ou mais, e agora tenho que me contentar com isso.
— É um bom lugar — disse a Voz. — Mas habitado por porcos.
— E não é mesmo? — disse o sr. Marvel. — Meu Deus! Mas essas botas... Não, nunca vi nada parecido.
Ele olhou sobre o ombro, para examinar as botas do seu interlocutor, mas... onde elas deviam estar não havia botas, nem pernas, nem nada. O sr. Marvel começou a ser invadido por um espanto gradual.
— Onde você está? — disse ele por sobre o ombro, e pondo-se de quatro. Viu à sua frente apenas o descampado vazio, com o vento agitando os arbustos lá longe.
— Será que estou bêbado? — disse o sr. Marvel. — Estou tendo visões? Falando sozinho? O quê...
— Não se assuste — disse a Voz.
— Não me venha com ventriloquismos! — exclamou ele, pondo-se finalmente de pé. — Onde você está? Assustado? Ora, assustado!...
— Não se assuste — repetiu a Voz.
— Você vai se assustar num minuto, seu idiota — disse o sr. Thomas Marvel. — Onde você está? Quando eu puser os olhos em cima... — E depois de um intervalo continuou: — Está enterrado?...
Não houve resposta. O sr. Thomas Marvel ficou ali, de meias e perplexo, com o casaco quase a escapar-lhe dos ombros.
Um pássaro cantou, ao longe: piuit...
— Piuit, piuit... Pois sim! — ironizou o sr. Marvel. — Não posso perder meu tempo com idiotices.
O descampado estava vazio, para o leste e para o oeste, ao norte e ao sul; a estrada, com valas pouco profundas e flanqueada por estacas, também se estendia deserta de norte a sul, e, a não ser por aquele pássaro, o céu azul também não mostrava sinal da presença de alguém.
— Deus me ajude — disse o sr. Thomas Marvel, puxando o casaco de volta sobre os ombros. — É a bebida! Eu devia saber.
— Não é a bebida — disse a Voz. — Mantenha-se calmo.
— Ui! — exclamou o sr. Marvel, e seu rosto empalideceu por entre as manchas de sujeira, enquanto seus lábios moviam-se sem som, repetindo “é a bebida”. Ele voltou a olhar em torno, girando em volta de si mesmo. — Podia jurar que ouvi uma voz...
— Claro que ouviu.
— Lá vem de novo — disse o sr. Marvel, cerrando os olhos e pousando a mão na testa num gesto dramático.
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