O campo vazio, o céu vazio. Não se vê nada por quilômetros, exceto o seio da mãe Natureza. Aí aparece uma voz. Uma voz vinda do céu! E pedras! E uma mão! Meu Deus!

— Controle-se — disse a Voz. — Porque você vai ter que executar esse trabalho, foi para isso que o escolhi.

O sr. Marvel assoprou com força; ainda tinha os olhos esbugalhados de assombro.

— Eu o escolhi — disse a Voz. — Você é a única pessoa, com exceção de alguns imbecis lá no povoado, que sabe da existência de um homem invisível. Você precisa ser meu ajudante. Ajude-me, e eu farei grandes coisas por você. Um homem invisível é um homem poderoso.

Ele se interrompeu para espirrar com força. Depois continuou:

— Mas se me trair, se não seguir minhas instruções... — Ele fez uma pausa e deu uns tapinhas no ombro do sr. Marvel, que soltou um guincho de medo àquele toque.

— Não estou pensando em traí-lo — disse o sr. Marvel, afastando-se daqueles dedos. — Nem pensei nisso, haja o que houver. Tudo que eu quero é ajudá-lo, basta me dizer como. Meu Deus! O que quiser que eu faça, farei de bom grado.

Capítulo X

A visita do sr. Marvel a Iping

Depois que o pânico inicial se dissipou, Iping entrou numa fase de ferozes discussões. O ceticismo ergueu sua cabeça ameaçadora — um ceticismo um tanto nervoso e não muito seguro quanto à própria retaguarda, mas ceticismo da mesma forma. É muito fácil não acreditar num homem invisível, e aqueles que o tinham visto desaparecer em pleno ar, ou que tinham sentido o peso do seu braço, podiam ser contados nos dedos das duas mãos. E entre essas testemunhas, o sr. Wadgers tinha batido em retirada para se refugiar por trás das grades e dos ferrolhos de sua casa, e Jaffers repousava deitado e tonto na sala do Coach and Horses. Ora — acontece muitas vezes que as ideias grandiosas e extraordinárias, cujo alcance vai muito além da nossa experiência, acabam por ter menos efeito sobre homens e mulheres do que considerações menores porém mais tangíveis. Iping estava toda embandeirada, a população envergando seus melhores trajes. A segunda-feira de Pentecostes tinha sido esperada ansiosamente por um mês ou mais. Quando entardeceu, mesmo aqueles que acreditavam no Oculto já se entregavam ao divertimento, ainda que de modo hesitante, imaginando que àquela altura ele já teria ido embora; quanto aos céticos, tudo não tinha passado de uma grande brincadeira. E todos, tantos os céticos como os crentes, estiveram mais expansivos do que nunca durante aquele dia.

No relvado de Haysman erguia-se uma barraca em cores alegres, na qual a sra. Bunting e outras damas preparavam e serviam chá, enquanto lá fora as crianças da escola dominical apostavam corrida e disputavam jogos sob a ruidosa supervisão das senhoritas Cuss e Sackbut. Sem dúvida ainda pairava uma certa inquietação no ar, mas a maioria das pessoas tinha o bom-senso de ocultar suas apreensões. O brinquedo mais procurado pelos jovens era um cabo metálico inclinado, ao longo do qual corria uma carretilha onde os rapazes se penduravam, deslizando com velocidade para a parte inferior até chocar-se com um saco que amortecia o impacto; este, os balanços e o jogo de acertar os cocos eram os que atraíam mais as atenções.