Por alguns momentos ela o contemplou de boca aberta, perplexa demais para poder dizer alguma coisa.

Ele segurava um lenço branco sobre a parte inferior do seu rosto, escondendo por completo a boca e o queixo, e era a isso que se devia o som abafado de sua voz. Mas não foi isso que provocou um sobressalto na sra. Hall, e sim o fato de que toda a testa do homem por cima dos óculos azuis estava coberta por ataduras brancas, e o mesmo ocorria com suas orelhas, sem deixar exposto um centímetro sequer do seu rosto, com exceção do nariz, que era cor-de-rosa e adunco. Um nariz tão brilhante, rosado e lustroso quanto ela notara no momento em que ele entrou na estalagem. Ele vestia agora um casaco de veludo marrom-escuro, com uma gola alta, forrada de linho negro, levantada em torno do pescoço. O cabelo negro e espetado, escapando por entre as ataduras, projetava-se para fora em formas que pareciam caudas e chifres, dando àquela cabeça a mais curiosa das aparências. Aquela cabeça toda cercada de panos e bandagens era tão diferente do que a boa senhora tinha imaginado que ela permaneceu ali, imobilizada.

O homem não tirou o lenço da frente do rosto, mas o manteve ali erguido com uma mão, que ela percebeu agora estar enluvada; e mantinha fixos sobre ela aqueles inescrutáveis óculos azuis.

— Deixe o chapéu — disse ele, procurando pronunciar as palavras de modo bem distinto através do pedaço de tecido.

Os nervos dela começaram a se recobrar do choque, e ela voltou a pousar o chapéu na cadeira em frente ao fogo.

— Eu não sabia, senhor — balbuciou ela —, e... — Deteve-se, embaraçada.

— Obrigado — disse ele secamente. Virou-se para olhar a porta e depois voltou a encará-la.

— Vou secar tudo bem direitinho, senhor, agora mesmo — disse ela, e, agarrando as roupas, deixou às pressas o aposento. Ao cruzar a porta, deu uma última espiada na direção daquela cabeça coberta de bandagens e óculos azuis, e viu que o homem mantinha o lenço erguido diante do rosto. Um calafrio a sacudiu enquanto ela fechava a porta atrás de si, e em seu rosto estavam estampadas a surpresa e a perplexidade. “Nunca imaginei”, murmurou ela, “puxa vida!”. Partiu na direção da cozinha e desta vez, ao chegar lá, estava preocupada demais para dar atenção ao que Millie estaria fazendo.

O visitante permaneceu sentado enquanto ouvia os passos dela se afastando. Ainda relanceou os olhos para a janela, antes de abaixar o lenço e retomar sua refeição interrompida. Levou uma garfada à boca, olhou desconfiado para a janela, e depois de outra garfada ergueu-se, sempre segurando o lenço, cruzou a sala e puxou para baixo a persiana até encostá-la na cortina de musselina que vedava os vidros inferiores. Isso deixou a sala à meia-luz, e ele, aparentemente satisfeito, voltou à mesa e retomou sua refeição.

— O pobre coitado sofreu um acidente, ou uma cirurgia, ou alguma coisa desse tipo — exclamou a sra. Hall. — O susto que aqueles curativos me deram!!!

Ela pôs mais carvão no fogo, armou o cavalete à frente dele e estendeu em cima o casaco do hóspede.

— E aqueles óculos! Deus, aquilo parecia mais um mergulhador do que um ser humano! — Ela pendurou o cachecol na extremidade do cavalete. — E segurando o lenço por cima da boca o tempo todo. Falando, e tudo... Vai ver que a boca dele está ferida. É bem capaz. — Ela fez meia-volta, como quem lembra algo de súbito. — Deus me perdoe! Millie, você ainda não foi capaz de aprontar as batatas?!

Quando a sra. Hall voltou para tirar a mesa após o jantar do forasteiro, viu confirmadas suas suspeitas de que ele tinha a boca ferida ou desfigurada por algum acidente, porque agora estava fumando um cachimbo, e, durante todo o tempo que ela permaneceu na sala, ele nem uma só vez desamarrou, para fumar, o lenço que agora lhe cobria a parte inferior do rosto. E não foi por distração, porque ela o flagrou pelo menos uma vez olhando o cachimbo que ardia de lado. Estava sentado de costas para a janela, e, agora que tinha acabado de comer e beber, e estava bem agasalhado, falou de maneira menos agressiva e lacônica do que antes. O brilho das chamas se refletia nas lentes dos seus óculos, dando-lhes uma vivacidade que até então lhes faltara.

— Tenho alguma bagagem — disse ele — na Estação de Bramblehurst. Seria possível mandar buscá-la? — Ouviu com a cabeça inclinada a explicação da dona da hospedaria, e exclamou: — Amanhã?! Não há uma maneira mais rápida?

Pareceu bastante desapontado quando ela lhe disse que não. Ela tinha certeza? Não havia sequer algum homem com uma carroça, que pudesse trazê-las?...

A sra.