Hall aproveitou com entusiasmo aquela iniciativa para tentar entabular uma conversação.
— É uma ladeira muito perigosa daqui até lá, senhor — disse ela. — Uma charrete virou ali, há mais de um ano. Morreu um senhor, para não falar no cocheiro. Acidentes acontecem o tempo todo, não é mesmo?
Mas o visitante não mordeu a isca.
— É... — foi tudo que disse através do lenço, e continuou a fitá-la através daquelas lentes impenetráveis.
— Sem falar no tempo que as pessoas levam para ficar boas — prosseguiu ela. — Veja o caso do meu sobrinho Tom. Cortou o braço com uma foice quando trabalhava no campo, e, meu Deus! Três meses e nada menos do que isso teve que passar até poder trabalhar de novo. Não pude acreditar. E desde então as foices me dão uma sensação ruim.
— Sei como é — disse o visitante.
— Teve um momento em que ele achou que precisaria fazer uma operação... para ver o quanto aquilo foi grave, senhor.
O hóspede deu uma gargalhada seca, um som que parecia um latido.
— Foi mesmo?... — perguntou.
— Foi assim mesmo, senhor, e não foi brinquedo para quem tinha que cuidar dele, o que foi o meu caso, pois minha irmã já tinha os seus pequenos para se preocupar. Havia muitos curativos nele, senhor, e o tempo todo era curativo para tirar, curativo para pôr... Se me permite dizer, senhor...
— Pode me conseguir fósforos? — perguntou ele de repente. — Meu cachimbo apagou.
A sra. Hall empertigou-se. Muito rude da parte dele falar naquele tom, depois de toda a atenção que ela lhe dera. Encarou-o por um instante, depois se lembrou dos dois soberanos, e saiu para buscar os fósforos.
— Obrigado — foi tudo que ele disse quando ela os trouxe, e dando-lhe as costas, virou-se outra vez para a janela. Não era nada encorajador; visivelmente, a conversa sobre operações e curativos o incomodava. E já que ele não lhe permitiu dizer nada, a sra. Hall retirou-se, pois os modos arredios do homem a incomodavam, e naquela noite Millie serviu-lhe de bode expiatório.
O visitante permaneceu ali o resto da tarde, até depois das quatro, sem lhe dar nenhum pretexto para uma nova incursão. Durante a maior parte do tempo ficou quieto; pareceu-lhe que não fez outra coisa senão continuar fumando diante do fogo, talvez dormitando de tempos em tempos.
Uma ou duas vezes alguém o teria escutado remexer o carvão da lareira, e a certa altura caminhou indo e vindo pela sala durante alguns minutos. Parecia estar falando consigo mesmo. E depois a cadeira rangeu quando ele voltou a sentar-se.
Capítulo II
As primeiras impressões do sr. Teddy Henfrey
Por volta das quatro da tarde, quando já começava a escurecer e a sra. Hall criava coragem para ir perguntar ao hóspede se ele queria um pouco de chá, entrou na hospedaria o sr. Teddy Henfrey, o relojoeiro local.
— Deus do céu, sra. Hall! — exclamou. — Que tempo terrível para quem calça botas leves! — Lá fora a neve caía ainda mais forte.
A sra. Hall concordou e viu então que ele trazia consigo sua maleta.
— Já que está aqui, sr. Teddy — disse ela —, será que poderia dar uma olhada no relógio grande da sala?...
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