O livro — tanto na edição latina quanto na grega — foi banido pelo Papa Gregório ix em 1232 logo após a publicação da tradução latina, que chamou atenção para o livro. O original em árabe já se havia perdido na época de Wormius, segundo afirma o prefácio do tradutor; e não há nenhum relato do exemplar grego — impresso na Itália entre 1500 e 1550 — desde o incêndio na biblioteca de um certo habitante de Salém em 1692. A tradução inglesa feita pelo dr. Dee jamais foi publicada e existe apenas em fragmentos recuperados a partir do manuscrito original. Dentre os exemplares latinos sobreviventes, um (séc. xv) encontra-se no Museu Britânico trancado a sete chaves, enquanto outro (séc. xvii) está na Bibliothèque Nationale em Paris. Existem exemplares do século xvii na Widener Library em Harvard e na biblioteca da Universidade do Miskatonic em Arkham. Também na biblioteca da Universidade de Buenos Aires. Vários outros exemplares devem existir em segredo, e ouvem-se rumores constantes sobre a presença de um exemplar do século xv na coleção de um célebre milionário norte-americano. Um rumor ainda mais vago fala sobre a preservação de um texto grego do século xvi no seio da família Pickman, de Salém; mas, se o rumor for verdadeiro, o exemplar sem dúvida sumiu junto com o artista R.U. Pickman, desaparecido no início de 1926. O livro é suprimido com todo o rigor pelas autoridades de quase todos os países, bem como por todas as vertentes do eclesiasticismo organizado. A leitura traz consequências nefastas. Foi a partir de rumores desse livro (conhecido por poucos indivíduos do público em geral) que Robert W. Chambers supostamente tirou inspiração para o romance O rei de amarelo.

3.1  Cronologia

  • =0mm Al Azif escrito por volta de 730 d.C. em Damasco por Abdul Alhazred
  • Trad. para o grego em 950 d.C. com o título Necronomicon por Teodoro Filetas
  • Queimado pelo Patriarca Miguel em 1050 (texto grego). Texto árabe perdido
  • Olaus traduz do gr. em 1228
  • 1232 Ed. lat. (& gr.) supr. pelo Papa Gregório ix
  • 14.. Edição em letras góticas (Alemanha)
  • 15.. Texto gr. impresso na Itália
  • 16.. Reimpressão italiana do texto latino
  • 1

    Escrito em 1927, a “História do Necronomicon” misturou à ficção de Lovecraft os nomes de lugares e personagens históricos reais com todos os requintes de uma farsa bem arranjada. As sugestivas alusões ao Necronomicon na ficção do autor chegaram a motivar cartas de leitores intrigados quanto à autenticidade do volume.

    O sabujo1

    Em meus ouvidos torturados ressoam sem dar trégua um rumor e um ruflar demoníaco, e latidos abafados e distantes como os de um gigantesco sabujo. Não se trata de um sonho — não se trata, por mais que eu relute em admitir, sequer de loucura —, pois já aconteceram coisas demais para que eu persistisse nessas dúvidas misericordiosas. St. John foi reduzido a um cadáver mutilado; só eu sei por quê, e devido ao conhecimento que detenho estou prestes a estourar os meus miolos por medo de ser mutilado de maneira idêntica. Pelos corredores lúgubres e ilimitados da fantasia quimérica desliza a Nêmesis negra e amorfa que me impele à autodestruição.

    Que o céu perdoe a loucura e a morbidez que nos levaram a um destino tão monstruoso! Aborrecidos com os lugares-comuns de um mundo prosaico em que até mesmo as alegrias do romance e da aventura não tardam em dar lugar ao enfado, St. John e eu havíamos seguido com entusiasmo todos os movimentos estéticos e intelectuais que prometessem aliviar o ennui que nos consumia. Os enigmas dos Simbolistas e os êxtases dos Pré-Rafaelitas foram todos nossos no devido tempo, porém mesmo esses novos ímpetos logo se viam privados da novidade e do apelo. Apenas a lúgubre filosofia dos Decadentistas foi capaz de nos cativar, e mesmo assim apenas à base de um aumento gradual no aprofundamento e no diabolismo de nossas investigações. Baudelaire e Huysmans logo se viram despidos de qualquer emoção, e por fim restaram-nos apenas os estímulos diretos de experiências e aventuras pessoais avessas à própria natureza. Foi essa terrível necessidade emocional que por fim levou-nos pelo detestável caminho que, mesmo sob a influência do terror, menciono apenas com medo e timidez — essa horrenda estremadura do ultraje humano, o ofício do ladrão de sepulturas.

    Não posso revelar os detalhes de nossas chocantes expedições nem catalogar sequer parcialmente os mais hediondos dentre os troféus que adornavam o museu que preparamos na grande casa de pedra onde morávamos juntos, sozinhos e sem criados. Nosso museu era um local blasfemo e inconcebível onde, com o requinte satânico de neuróticos virtuosi, havíamos reunido um universo de terror e decadência para excitar nossas sensibilidades entorpecidas. Era uma sala secreta em um subterrâneo muito, muito profundo, onde enormes demônios alados de basalto e ônix vomitavam das bocarras zombeteiras uma estranha luz verde e alaranjada, e tubulações pneumáticas ocultas incitavam a caleidoscópicas danças da morte as fileiras de cadavéricos vultos rubros bordados nas opulentas tapeçarias negras. Por essas tubulações vinham os cheiros que nosso estado de espírito mais desejasse; por vezes a fragrância de lírios funéreos, por vezes o incenso narcótico de templos orientais imaginários erigidos para honrar a realeza morta, e por vezes — estremeço ao confessar! — os temíveis e nefastos miasmas do túmulo aberto.

    Ao longo das paredes dessa repugnante câmara, os caixões de antigas múmias alternavam-se com corpos bonitos e vivazes, preparados e curados à perfeição pela arte do taxidermista, e também com lápides roubadas dos mais antigos cemitérios mundo afora. Nichos nas paredes abrigavam caveiras de todos os formatos e cabeças preservadas em diversos estágios de decomposição. Lá se encontravam expostas as cabeças pútridas e calvas de nobres famosos e as frescas e douradas cabecinhas de crianças recém-enterradas. Havia estátuas e pinturas de cunho demoníaco, algumas executadas por St. John e por mim.