Coisa estranha, os primeiros escarros não me produziram tanto efeito; lembrava-me agora de que me haviam deixado quase calmo. De onde vinha o meu medo, o meu horror àquele momento? É que eu começava, ai de mim!, a amar a vida. Voltei atrás, inclinei-me, encontrei meu escarro, tomei uma palha e, levantando o coágulo, guardei-o no lenço. Olhei. Era um feio sangue quase negro, uma coisa pegajosa, repugnante … Pensei no belo sangue rubro de Bachir … E, de repente, senti um desejo, uma ânsia, uma força mais furiosa, mais imperiosa do que tudo o que sentira até então: viver! eu quero viver. Eu quero viver. Cerrei os dentes, os punhos, e me concentrei todo, perdidamente, desoladamente, nesse esforço para a existência. Tinha recebido na véspera uma carta de T…; em resposta a perguntas aflitas de Marceline, ela vinha cheia de conselhos médicos; T… juntara à sua carta algumas brochuras de vulgarização médica e um livro mais especializado que, por isso mesmo, me pareceu mais sério. Eu lera negligentemente a carta e nem olhara os impressos; primeiro, porque a semelhança dessas brochuras com os pequenos tratados morais que haviam fartado minha infância não me atraía; depois, porque todos os conselhos me importunavam; eu não pensava, além disso, que esses “Conselhos aos tuberculosos”, “Cura prática da tuberculose” pudessem aplicar-se ao meu caso. Não me considerava tuberculoso. Antes, atribuía minha primeira hemoptise a uma causa diferente; ou melhor, não a atribuía a nada, evitava pensar nela, e me julgava, se não curado, ao menos próximo da cura… Li a carta; devorei o livro, os tratados. Subitamente, com uma terrível evidência, descobri que não me tratara como devia. Até então, eu me deixara viver, confiando na mais vaga esperança; de repente, minha vida apareceu atacada, atacada atrozmente em seu centro. Um inimigo múltiplo, altivo, vivia em mim. Eu o escutava, seguia-o com os olhos, sentia-o. Não o venceria sem luta… e repetia a meia voz, como para convencer-me melhor: é uma questão de vontade. Pus-me em estado de hostilidade. Caía a noite: organizei minha estratégia. Durante algum tempo, só a minha cura seria o meu estudo; meu dever era a minha saúde; devia achar bom, chamar Bem tudo o que me fosse salutar, esquecer, repelir tudo o que não me curasse. Antes do jantar, quanto a respiração, exercício, alimentação, eu havia tomado resoluções. Comíamos em uma espécie de pequeno quiosque que o terraço envolvia de todos os lados. Sós, tranquilos, longe de tudo, a intimidade de nossas refeições era deliciosa. De um hotel vizinho, um negro velho nos trazia uma comida passável. Marceline cuidava dos menus, encomendava um prato, recusava outro … Como não tinha ordinariamente grande apetite, eu não me preocupava muito com os pratos que faltavam, ou com os menus insuficientes. Marceline, habituada também a não comer muito, não sabia nem percebia que eu não me alimentava bem. Comer muito era a primeira de todas as minhas resoluções. Pretendia pô-la em prática a partir dessa noite. Não pude. Serviram-nos uma sopa intragável e depois uma carne demasiadamente assada. Minha irritação foi tão grande que, lançando a culpa sobre Marceline, transbordei diante dela em palavras imoderadas.
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