Um dia, ele será de grande ajuda.

— É verdade, uma ajuda para quando precisarmos. Ninguém lidera uma matilha para sempre — disse Bagheera.

Akela ficou calado. Pensou no dia que inevitavelmente chega a todos os líderes, de todas as matilhas, quando a força se vai e a fraqueza toma conta. Sabia que acabaria morto pelos lobos e um novo líder assumiria.

— Podem levar o menino — disse Pai Lobo. — Ele deve ser educado como se educa alguém do Povo Livre.

Mowgli acabou aceito na matilha dos lobos de Seoni pelo preço de um búfalo e pelas boas palavras de Baloo.

Agora, vamos pular uns dez ou onze anos adiante, só imaginando a vida maravilhosa que Mowgli teve entre os lobos porque, se tudo isso fosse escrito, preencheria muitos livros. Ele cresceu com os filhotes. No entanto, eles se tornaram lobos adultos antes mesmo de Mowgli vir a ser uma criança. E Pai Lobo ensinou a Mowgli suas habilidades, o significado das coisas da floresta, até o detalhe de cada farfalhar da grama, cada lufada de vento morno, cada nota das corujas que moram no alto, cada som das garras do morcego arranhando a árvore antes de ir dormir e cada borrifo de água de cada peixinho que mergulha em uma lagoa significasse tanto para ele quando o trabalho em um escritório significa para um homem de negócios. Quando não estava aprendendo, sentava-se ao sol para cochilar e depois comia e dormia de novo. Quando se sentia sujo ou com calor, nadava nas lagoas da floresta e, quando queria mel — Baloo contou a ele que mel e castanhas são tão saborosos quanto carne crua —, escalava a árvore para comer.

Seu amigo Bagheera ficava deitado sobre um galho e chamava:

— Venha cá, irmãozinho.

No começo, Mowgli se pendurava como um bicho-preguiça, mas depois passou a se balançar pelos galhos quase tão bem quanto o macaco cinza.

Ele também conquistou seu lugar na Pedra do Conselho quando a alcateia se reunia. Lá, descobriu que se olhasse diretamente nos olhos de qualquer lobo, o animal se via forçado a baixar o olhar e, por isso, costumava encará-los só por brincadeira. Outras vezes, tirava longos espinhos das patas dos amigos — os lobos sofrem muito com espinhos e carrapichos nos pelos. Mowgli também descia a encosta, entrava nas plantações à noite e observava curioso os moradores da aldeia em suas cabanas. Mas não confiava nos homens porque Bagheera havia mostrado uma caixa quadrada com uma portinhola pendente tão bem escondida na mata que ele quase tinha caído nela. A pantera explicou que aquilo era uma armadilha. Mais do que tudo, ele adorava entrar com Bagheera na mata fechada, quente e escura, para dormir num dia preguiçoso e, à noite, presenciar uma caçada. Bagheera matava de tudo quando estava faminto. Mowgli também, com uma exceção. Assim que cresceu o bastante para entender, a pantera contou-lhe que ele que nunca deveria tocar no gado porque seu ingresso na matilha havia sido pago com a vida de um búfalo.

— A selva toda é sua — disse Bagheera. — Exatamente por isso, você não deve matar tudo o que for capaz. Pelo búfalo que pagou por sua vida, não mate e nem coma o gado, seja jovem ou velho. Essa é a Lei da Selva.

Mowgli foi leal e obedeceu.

Ele cresceu cada vez mais forte, como um menino deve crescer, sem sequer perceber tudo o que estava aprendendo, achando que não havia nada mais importante no mundo do que comer.

Mãe Loba disse a ele várias vezes que Shere Khan não era uma criatura digna de confiança e que algum dia ele seria obrigado a matá-lo. Enquanto um jovem lobo jamais se esqueceria de um conselho desses, Mowgli se esquecia constantemente porque era apenas um menino — embora ele mesmo se dissesse “lobo”, caso fosse capaz de falar alguma das línguas dos homens.

Shere Khan estava sempre cruzando seu caminho na selva. Ao passo que Akela ia ficando velho e cansado, o tigre manco se tornava cada vez mais amigo de alguns jovens lobos da matilha, que o seguiam para comer seus restos — coisa que Akela nunca teria permitido se ainda tivesse vigor para aplicar sua autoridade. Shere Khan os elogiava e se dizia surpreso ao ver aqueles jovens caçadores ainda prestando obediência a um lobo à beira da morte e a um filhote de homem.

— Dizem por aí — comentava Shere Khan — que não é permitido olhar o menino nos olhos no Conselho.

E os jovens lobos uivavam e seus pelos se arrepiavam.

Bagheera, que via e ouvia tudo, sabia o que isso significava. De vez em quando, explicava a Mowgli em detalhes por que Shere Khan um dia o mataria. Mowgli ria e dizia:

— Mas eu tenho a matilha inteira e você do meu lado; e Baloo, mesmo sendo muito preguiçoso, me defenderia com seus golpes. Por que eu teria medo?

Em um dia muito quente, Bagheera teve uma ideia depois de ouvir um comentário de alguém. Talvez tenha sido Ikki, o porco-espinho, quem espalhou o boato. Os dois estavam no coração da selva.