isso se você não for morto no Conselho.

— Mas por quê? Que vantagem eles teriam em me matar? — perguntou Mowgli.

— Olhe para mim — disse Bagheera.

Mowgli olhou bem fundo nos olhos de Bagheera. A grande pantera desviou o olhar logo em seguida.

— Por isso — disse ele roçando as folhas com a sua pata. — Nem mesmo eu consigo olhar você nos olhos. Eu, que nasci entre os homens e te amo, irmãozinho. Os outros te odeiam porque os olhos deles não podem encarar os seus, porque você é sábio; porque você tirou espinhos daquelas patas. E porque você é um homem.

— Eu não sabia dessas coisas — disse Mowgli um tanto triste, franzindo suas grossas sobrancelhas negras.

— Qual é a Lei da Selva? Ataque primeiro, converse depois. Eles sabem que você é um homem pelo fato de ser tão despreocupado. Mas seja esperto. Meu palpite é que, quando Akela fracassar em sua próxima caçada, e está cada vez mais difícil para ele vencer um cervo, a alcateia se voltará contra vocês dois. Haverá outra reunião na pedra e então... então... adivinhe! — disse Bagheera dando um salto para cima. — Você deve descer o mais rápido possível para a aldeia dos homens no vale e pegar um pouco da flor vermelha que eles cultivam por lá. Assim, quando chegar a hora, você terá um aliado ainda mais poderoso do que eu, Baloo ou os lobos da matilha que ainda te amam. Vá pegar a flor vermelha.

Bagheera chamava o fogo de flor vermelha. Nenhuma criatura da selva chama o fogo pelo nome correto. Todos os animais vivem com medo mortal do fogo e inventam centenas de outros nomes para descrevê-lo.

— A flor vermelha? — disse Mowgli. — Aquela que cresce do lado de fora das cabanas no final da tarde? Vou lá pegar.

— É assim que um filhote de homem deve falar — disse Bagheera orgulhoso. — Lembre-se: ela nasce em pequenos jarros. Pegue uma sem chamar a atenção e guarde com você o tempo que for necessário.

— Ótimo! — disse Mowgli. — Eu vou. Mas você tem certeza, Bagheera — disse, passando o braço em volta do esplêndido pescoço e olhando no fundo dos olhos —, tem certeza de que tudo isso faz parte do plano de Shere Khan?

— Pelo cadeado quebrado que me libertou, tenho sim, irmãozinho.

— Então, pelo búfalo que pagou por mim, Shere Khan vai ver só uma coisa. Talvez até um pouco mais do que deveria — disse Mowgli afrouxando o abraço.

— É assim que um homem deve falar. Isto é ser um homem — disse Bagheera para si mesmo, deitando-se novamente. — Ah, Shere Khan, nunca houve uma caçada mais azarada do que aquela na qual você deixou a rã escapar, dez anos atrás.

Mowgli se embrenhou pela floresta, correndo muito, e seu coração pulsava forte no peito. Ele chegou à caverna junto com a névoa da noite, tomou fôlego e olhou o vale lá embaixo. Os filhotes não estavam, mas Mãe Loba, no fundo da caverna, sabia pela respiração que alguma coisa preocupava sua rãzinha.

— O que foi, meu filho? — disse.

— Os morcegos espalharam um boato sobre Shere Khan — ele respondeu. — Esta noite, vou caçar nas plantações.

Mergulhou na mata da encosta em direção ao riacho na base do vale. Ali, parou e ouviu o som da matilha caçando, o berro de um sambar sendo perseguido e o resfolegar da presa que fugia. Depois, vieram os uivos perversos e amargos dos jovens lobos:

— Akela! Akela! Deixem o Lobo Solitário mostrar sua força.