Abram espaço para o líder da matilha! Ataque, Akela!
O Lobo Solitário deve ter atacado e errado o bote porque Mowgli ouviu seus dentes estalando, depois um ganido e o sambar o derrubando com um golpe das patas dianteiras.
Ele não esperou mais um segundo sequer e saiu em disparada. Os latidos foram se distanciando enquanto corria pelas plantações dos moradores da aldeia.
— Bagheera estava certo — ofegou ao se esconder em um monte de forragem para gado perto da janela de uma das cabanas. — Amanhã será um dia decisivo para mim e Akela.
Mowgli aproximou o rosto da janela e observou o fogo queimando no fogão. Viu uma mulher se levantar e alimentar o fogo no escuro da noite com pedaços de carvão preto. Quando a manhã chegou e a névoa ficou branca e fria, viu um menino pegar um cesto de vime revestido de barro por dentro, enchê-lo com pedaços de carvão em brasa, colocá-lo sob uma manta e sair para cuidar das vacas no estábulo.
— É só isso? — pensou Mowgli. — Se um filhote consegue, não preciso ter medo.
Então deu a volta na cabana para encontrar o menino. Pegou o cesto das mãos dele e desapareceu na névoa enquanto o garoto ainda berrava de medo.
— São bem parecidos comigo — disse Mowgli, soprando no cesto como havia visto a mulher fazer. — Isto vai apagar se eu não der comida para ele.
E colocou gravetos e cascas de árvore na coisa vermelha. Na metade da subida, encontrou Bagheera com o orvalho da manhã brilhando feito cristais em seus pelos:
— Akela falhou — disse a pantera. — Eles iam matá-lo ontem mesmo, mas queriam que você estivesse junto. Ficaram te procurando pela colina.
— Eu estava nos campos cultivados. Já estou pronto. Veja! — Mowgli levantou o cesto incandescente.
— Ótimo! Sabe, eu já vi homens colocando galhos secos nessa coisa, e na hora a flor vermelha brotou na ponta. Você não tem medo?
— Não. Por que deveria ter medo? Agora me lembro, se é que não é sonho, de que antes de ser um lobo, eu ficava deitado perto da flor vermelha. Era quente e gostoso.
Mowgli passou o dia sentado na caverna cuidando de seu pote de fogo, alimentando-o com gravetos secos para ver o que acontecia. Ele achou um galho que o agradou e, à noite, quando Tabaqui entrou na caverna e disse-lhe num tom mal-educado que o requisitavam na Pedra do Conselho, ele gargalhou até fazer Tabaqui sair correndo. Ainda rindo, Mowgli se dirigiu ao Conselho.
O Lobo Solitário Akela estava deitado ao lado de sua pedra, o que significava que a liderança da matilha estava vaga. Shere Khan, com seu séquito de lobos comedores de sobras, andava para lá e para cá, sendo bajulado abertamente. Bagheera deitou-se perto de Mowgli, que mantinha o cesto entre os joelhos. Quando todos estavam reunidos, Shere Khan começou a discursar, coisa que nunca ousaria fazer na época em que Akela estava em sua melhor forma.
— Ele não tem o direito — sussurrou Bagheera. — Fale isso. Ele é um filho de um cão. Ele vai se pelar de medo.
Mowgli ficou em pé de pronto.
— Povo Livre — gritou —, agora é Shere Khan o líder da matilha? O que um tigre tem a dizer sobre a nossa liderança?
— A liderança está vaga e me pediram para falar... — começou Shere Khan.
— Quem pediu? — disparou Mowgli. — Será que somos tão inferiores a ponto de bajular esse matador de vacas? A liderança da matilha é assunto somente da matilha.
Foram ouvidos gritos de “Silêncio, filhote de homem!”, “Deixem-no falar. Ele tem sido fiel à lei”. Depois, os mais velhos da matilha retumbaram:
— Deixem que o Lobo Morto fale.
Quando um líder de matilha falha na caçada, ele passa a ser chamado de Lobo Morto mesmo ainda vivo, mas por pouco tempo. Akela se esforçou para levantar sua velha cabeça:
— Povo Livre e vocês também, lacaios de Shere Khan, por doze temporadas eu os liderei para matarmos e não sermos mortos. Nesse tempo, nenhum de vocês foi capturado ou ferido.
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