Vai, meu bom Tubal, e depois, na sinagoga, Tubal.
Saem.
Ato 3, Cena II [Em Belmonte]
Entram Bassânio, Pórcia, Graciano, Nerissa e todos os seus séquitos.
Pórcia – Eu lhe peço encarecidamente que você se hospede conosco, descanse por um ou dois dias antes de arriscar a sorte, pois, se escolher mal, perco sua companhia. Portanto, seja paciente, demore-se um pouco. Alguma coisa me diz (mas não é amor) que não quero perder você; e você sabe muito bem que o ódio não dá conselhos desse quilate. Mas, para que você não me entenda mal… e, no entanto, uma donzela sabe que não deveria expressar seus pensamentos… eu o deteria aqui comigo um mês ou dois antes de você se arriscar por mim. Eu poderia ensiná-lo a escolher certo, mas então eu estaria quebrando um juramento. E isso eu jamais faria. E assim você pode me perder. Mas, se você me perder, fará de mim uma pecadora, pois desejarei ter quebrado o meu juramento. Detesto esses seus olhos! Porque me enfeitiçaram e me dividiram: uma metade minha é sua, e a outra metade é sua… quero dizer, minha. Mas, se é minha, é sua e, portanto, sou inteira sua. Ah, estes tempos ruins colocam grades entre os donos e seus direitos de posse! Assim, embora sua, também não sua. Se acontecer de você me perder, mande a deusa Fortuna para o inferno, não eu. Falo demais, mas é para tornar o tempo pesado e o relógio mais lento, fazer o tempo render e o relógio demorar, fazer o tempo arrastar-se, com os minutos se alongando, para impedi-lo de fazer a sua escolha.
Bassânio – Deixe-me escolher, pois, assim como estou, vivo no ecúleo.[39]
Pórcia – No ecúleo, Bassânio? Então confesse qual traição existe em você misturada com o seu amor.
Bassânio – Nenhuma, a não ser aquela desfigurada traição da agonia total, que me faz temer as alegrias do amor que sinto. Existe tanta cordialidade e vida entre a neve e o fogo como entre essa traição e o meu amor.
Pórcia – Sim, mas temo que você esteja falando montado no ecúleo, onde qualquer homem é forçado a falar qualquer coisa.
Bassânio – Prometa-me a vida, e eu confesso a verdade.
Pórcia – Pois bem, confesse e viva.
Bassânio – “Confesse e ame” seria o resumo perfeito de minha confissão. Ah, delicioso tormento, quando o meu torturador me ensina as respostas que podem me libertar! Mas, deixe-me ir ao encontro da minha sorte e dos porta-joias.
Pórcia – Vamos, então! Minha figura está trancada em um deles. Se você me ama, vai descobrir onde estou. Nerissa, e também todos os outros, mantenham-se à distância. Toquem música enquanto ele faz sua escolha; assim, se perder, ele pode sair aos poucos, pode ir sumindo no seu canto do cisne.[40] Para que a comparação fique mais adequada, meus olhos serão córrego e aquoso leito de morte para ele. Ele pode acertar, e então qual é a música? Então a música será a mesma fanfarra que temos quando os leais súditos fazem reverência a um recém-coroado monarca. Será música doce como os mais doces sons do amanhecer, que se derramam no ouvido do noivo que sonha, requisitando-o para o casamento. Agora ele vai, com o mesmo porte de um nobre, mas com muito mais amor do que o jovem Hércules quando este resgatou a virgem[41] entregue como tributo ao monstro marinho por Troia, uma cidade em prantos. Eu estou no papel da donzela sacrificada. Todos os que se mantêm à distância são as esposas de Troia; faces marcadas de tanto chorar, elas vêm à frente para observar o resultado da proeza. Em frente, Hércules! Se tu viveres, eu vivo. Com muito, muito mais apreensão vejo eu a luta do que tu, que estás lutando.
Neste ponto, música.
Uma canção, enquanto Bassânio tece comentários para si mesmo sobre os porta-joias.
Diga-me onde nasce a tal emoção:
Na cabeça, ou será no coração?
De onde nasceu, que comidas comeu?
Você ainda não me respondeu.
Ela é uma coisa engendrada no olhar;
Nutre-se de olhares até acabar
Ali mesmo, no berço onde nasceu.
Toquem os sinos: a emoção morreu!
Todos – Morreu a emoção! Dim, dom, blim, blim, blão.
Morreu a emoção! Dim, dom, blim, blim, blão.
Bassânio – Então, a aparência externa pode ser o menos importante. O mundo sempre se deixa enganar pela ornamentação. Na justiça, por mais defeituoso e corrupto que seja um caso, ele não pode sempre ser temperado por uma voz bem-empostada que venha obscurecer a mais clara maldade? Na religião, por mais maldito o pecado, um semblante sério não pode abençoá-lo (e mais, confirmá-lo) com um texto, escondendo o erro mais crasso com belos adornos? Não há maldade tão simplória que não ostente alguma marca de bondade em suas partes mais externas. Quantos covardes, corações falsos como um cordame de areia, não usam na cara as barbas de Hércules e do carrancudo Marte?[42] Por dentro, eles têm o fígado[43] branco como leite; por fora, a barba cerrada, para torná-los temíveis. Contemple a beleza e você verá que ela pode ser comprada; vale quanto pesa. Isso forja um milagre na natureza, pois torna mais leves os que mais usam e abusam da beleza comprada.
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