— Você há de convir que, decerto, só poderá cortar o fio aquele que o pendurou, não é mesmo?

— Isso, isso — disse Pilatos sorrindo. — Agora não tenho dúvidas de que os vadios inúteis de Yerushalaim o seguiam bem de perto. Não sei quem pendurou sua língua, mas foi bem pendurada. A propósito, diga-me: é verdade que você apareceu em Yerushalaim pelos portões de Susa montado num burro e acompanhado por uma multidão da ralé que o saudava aos gritos como se você fosse algum profeta? — Aqui o procurador apontou para o rolo do pergaminho.

O prisioneiro lançou um olhar perplexo para o procurador.

— Eu nem tenho burro, Hegemon — disse ele. — Cheguei a Yerushalaim precisamente pelos portões de Susa, mas a pé, somente na companhia de Mateus Levi, e ninguém gritava para mim, pois até então ninguém me conhecia em Yerushalaim.

— Você por acaso não conhece pessoas como — continuou Pilatos sem tirar os olhos do prisioneiro — um tal de Dismas, o outro Gestas e um terceiro Bar-Rabban?

— Não conheço essas boas pessoas — respondeu o prisioneiro.

— Verdade?

— Verdade.

— Agora me diga, por que você usa as palavras “boas pessoas” o tempo todo? Por acaso você chama todo mundo assim?

— Todo mundo — respondeu o prisioneiro. — Não existem pessoas maldosas no mundo.

— É a primeira vez que ouço isso — disse Pilatos, dando um sorrisinho. — Mas pode ser que eu conheça pouco a vida!... Não precisa mais anotar. — Dirigiu-se ao secretário, embora este não estivesse anotando nada mesmo, e continuou falando ao prisioneiro: — Você leu sobre isso em algum livro grego?

— Não. Cheguei a isso com meu próprio raciocínio.

— E você prega isso?

— Prego.

— Mas, por exemplo, o centurião Marcos, apelidado de Mata-ratos, ele é bom?

— É — respondeu o prisioneiro. — Ele, na verdade, é um homem infeliz. Desde que as boas pessoas o deformaram, tornou-se cruel e insensível. Seria interessante saber quem o mutilou.

— Posso informar isso com satisfação — respondeu Pilatos. — Pois fui testemunha disso. As boas pessoas partiam para cima dele, como cachorros para cima de um urso. Alemães agarraram-no pelo pescoço, pelas mãos, pelas pernas. O manipulário da infantaria caiu numa emboscada e, se não fosse uma tura da cavalaria, comandada por mim, romper um flanco, você, filósofo, não chegaria a conversar com o Mata-ratos. Isso ocorreu na batalha de Idistaviso, no vale das Virgens.

— Tenho a certeza de que se pudesse falar com ele — disse de repente o prisioneiro em tom sonhador —, ele mudaria drasticamente.

— Suponho — respondeu Pilatos — que você traria pouca alegria ao legado da Legião caso inventasse de conversar com algum de seus oficiais ou soldados. Aliás, isso está longe de acontecer, para a felicidade geral, e o primeiro a se ocupar disso serei eu.

Nesse instante, uma andorinha voou impetuosa na colunata, fez um círculo sob o teto dourado, desceu, quase atingiu com a asa pontuda o rosto de uma estátua de cobre no nicho e se escondeu atrás do capitel de uma coluna. Quem sabe teve a ideia de fazer um ninho ali.

Durante seu voo, uma fórmula configurou-se na lúcida e agora leve cabeça do procurador. Era a seguinte: Hegemon examinou o processo do filósofo vadio Yeshua, de sobrenome Ha-Notzri, e não encontrou constituição de crime algum. Não encontrou, em particular, a mínima ligação entre as ações de Yeshua e as desordens que ocorreram em Yerushalaim nos últimos tempos. O filósofo vadio revelou-se doente mental. Consequentemente, o procurador não confirmava a sentença de morte de Ha-Notzri, pronunciada pelo Pequeno Sinédrio. Porém, tendo em vista que os discursos utópicos e loucos de Ha-Notzri podiam ser motivo de perturbações em Yerushalaim, o procurador expulsará Yeshua de Yerushalaim e o submeterá à prisão na Cesareia, a de Straton, no mar Mediterrâneo, ou seja, exatamente onde fica a residência do procurador.

Restava ditar isso ao secretário.

As asas da andorinha rufaram exatamente sobre a cabeça do Hegemon. O pássaro se arrojou à bacia do chafariz e voou para a liberdade absoluta. O procurador ergueu os olhos para o prisioneiro e viu a poeira levantar num pilar ao lado deste.

— É tudo sobre ele? — perguntou Pilatos ao secretário.

— Infelizmente, não — respondeu o secretário inesperadamente e entregou a Pilatos outro pedaço de pergaminho.

— O que mais há? — perguntou Pilatos, franzindo a testa.

Depois de ler o que lhe foi dado, seu rosto se alterou ainda mais. Não se sabe se foi o sangue escuro que afluiu para seu pescoço e rosto, ou se algo diferente aconteceu, só que sua pele perdeu o amarelado, empardeceu e os olhos como que afundaram.

Pelo visto, de novo o culpado era o sangue, que afluiu para as têmporas e começou a latejar, mas dessa vez algo aconteceu com a vista do procurador. Assim, teve a impressão de que a cabeça do prisioneiro flutuou para algum lugar e de que no lugar dela surgiu outra. E nessa cabeça calva havia uma coroa dourada sem dentes.