Lockwood, esqueço-me de que essas histórias talvez não lhe interessem. Que ideia a minha ficar aqui falando sem parar quando seu mingau já está frio, e o senhor cabeceando de sono! Eu poderia ter contado a história de Heathcliff, tudo de que o senhor precisa saber, em meia dúzia de palavras.

COM ISSO, a governanta se levantou e começou a guardar sua costura, mas eu não tinha coragem de me afastar da lareira, e estava muito longe de sentir sono.

– Fique um pouco mais, sra. Dean – solicitei –, fique mais uma meia hora. Fez a coisa certa ao contar a história sem pressa. É o método de que gosto, e deve terminá-la no mesmo estilo. Estou interessado em cada um dos personagens que mencionou, alguns um pouco mais, outros um pouco menos.

– O relógio vai dar onze horas, meu senhor.

– Não faz mal, não estou acostumado a me deitar cedo. Uma ou duas da manhã é o suficiente para quem só se levanta às dez.

– O senhor não deveria acordar tão tarde. A melhor parte da manhã já passou antes disso. Quem não fez até as dez horas a metade do trabalho que deve fazer no dia corre o risco de também não terminar a segunda metade.

– Mesmo assim, sra. Dean, volte para a sua cadeira, porque amanhã pretendo esticar a noite até de tarde. Estou prevendo uma gripe obstinada, no mínimo.

– Espero que não. Bem, o senhor vai me permitir pular uns três anos. Durante esse tempo, a sra. Earnshaw...

– Não, não vou permitir nada do tipo! A senhora sabe como é o estado de espírito quando estamos sentados sozinhos observando tão atentamente uma gata lamber seu filhote no tapete aos nossos pés que ela se esquecer de uma orelha é motivo suficiente para nos deixar furiosos?

– Um estado de espírito bastante preguiçoso, eu diria.

– Ao contrário, é exaustivamente ativo. É o meu, no momento. Portanto, continue, conte todos os detalhes. Vejo que a gente desta região adquire sobre as pessoas nas cidades o valor que a aranha de uma masmorra tem em comparação com a aranha de uma cabana, aos olhos de seus ocupantes; a maior atração, contudo, não se deve inteiramente à situação do espectador. Aqui as pessoas vivem de fato com mais autenticidade, mais voltadas para si, e se preocupam menos com as mudanças superficiais e os frívolos aspectos externos.43 Parece-me que amar a vida é quase possível, aqui, e sempre fui descrente de que qualquer amor pudesse durar mais de um ano. Uma coisa é como pôr um homem faminto diante de um único prato, no qual ele pode concentrar todo o seu apetite e lhe fazer justiça; a outra é como apresentar-lhe uma mesa posta por cozinheiros franceses: ele talvez possa extrair o mesmo prazer do todo, mas cada parte é um mero átomo aos seus olhos e à sua memória.

– Ah! Aqui somos iguais à gente em qualquer outra parte, o senhor vai ver – observou a sra. Dean, algo aturdida por minhas palavras.

– Perdão – respondi –, a senhora, minha cara amiga, é uma ótima prova contra essa afirmação. À exceção de uns poucos provincianismos sem maior importância, a senhora não tem qualquer marca do modo de agir que me habituei a considerar peculiar à sua classe. Tenho certeza de que a senhora passou muito mais tempo pensando do que a maior parte dos criados. Sentiu-se compelida a cultivar suas faculdades de reflexão por não ter ocasiões de desperdiçar a vida com ninharias.

A sra. Dean riu.

– Sem dúvida me considero uma pessoa estável e sensata – disse ela –, mas não exatamente por viver entre as montanhas e ver sempre os mesmos rostos e os mesmos acontecimentos ano após ano. Sempre vivi na mais estrita disciplina, o que me deu sabedoria, e li mais do que o senhor imagina, sr. Lockwood. Não há um único livro nesta biblioteca44 que eu não tenha lido, e do qual não tenha também tirado algo, a menos que esteja em grego ou latim, ou então em francês... e sei distinguir um idioma do outro, o que é o máximo que se pode esperar da filha de um homem pobre. Porém, se devo continuar contando minha história nos menores detalhes, é melhor não perder tempo. E em vez de dar um pulo de três anos, vou apenas passar ao verão seguinte: o verão de 1778.