Vamos, fique alegre como é o seu habitual! Olhe para o pequeno Hareton! Ele não está sonhando nada assustador. Veja a doçura de seu sorriso, enquanto dorme!

– Sim, e a doçura com que o pai dele pragueja, em sua solidão! Você se lembra dele, imagino, quando era mais ou menos assim, um bebezinho gorducho, quase tão pequeno e inocente. Mas exijo que escute meu sonho, Nelly. Não é comprido, e não tenho condições de me sentir alegre esta noite.

– Não vou ouvir, não vou ouvir! – repeti, apressadamente.

Eu era supersticiosa a respeito de sonhos, e ainda sou. Além disso, Catherine tinha um aspecto sombrio que não era comum, e me fazia temer algo em que pudesse adivinhar uma profecia e antever uma catástrofe terrível.

Ela ficou irritada, mas não prosseguiu. Aparentemente mudando de assunto, continuou, logo a seguir:

– Se eu estivesse no céu, Nelly, estaria me sentindo muito infeliz.

– É porque lá não é o seu lugar – respondi. – Todos os pecadores ficariam infelizes no céu.

– Mas não é por causa disso. Uma vez sonhei que estava lá.

– Já lhe disse que não quero saber dos seus sonhos, srta. Catherine! Vou me deitar – interrompi novamente.

Ela riu e me segurou, pois fiz menção de me levantar.

– Não é nada – exclamou. – Só ia dizer que o céu não parecia ser para mim, e eu sofria muito, chorando desesperadamente e querendo voltar para a terra. Os anjos ficaram tão zangados que me jogaram de volta bem no meio da charneca, aqui em Wuthering Heights, onde acordei soluçando de alegria. Isso serve para explicar meu segredo, bem como o outro sonho. Não tenho mais motivos para me casar com Edgar Linton do que para estar no céu, e se aquele homem perverso lá dentro não tivesse feito Heathcliff descer tanto, eu não teria pensado nisso. Mas agora eu iria me degradar se me casasse com Heathcliff, de modo que ele nunca vai saber o quanto o amo... e isso não porque ele é bonito, Nelly, mas porque é mais eu mesma do que eu. Qualquer que seja a substância das almas, a minha e a dele são feitas da mesma coisa, e a de Linton é tão diferente quanto um raio de luar de um relâmpago, ou o fogo da geada.

Antes que ela acabasse de falar, dei-me conta da presença de Heathcliff. Notando um ligeiro movimento, virei a cabeça e o vi levantar-se do banco e sair sem fazer barulho. Ele ouvira até Catherine dizer que ia se degradar se por acaso se casasse com ele, e não ficara para escutar mais.

O encosto do banco impedira que a mocinha, sentada no chão, reparasse em sua presença ou em sua partida, mas me sobressaltei e fiz um sinal para que se calasse.

– Por quê? – indagou, olhando nervosa ao redor.

– Joseph chegou – respondi, ouvindo o rolar oportuno das rodas de sua carroça subindo a estrada –, e Heathcliff deve estar com ele. Não sei nem mesmo se não está à porta, neste momento.

– Ah, da porta ele não conseguiria ouvir nada – disse ela. – Dê-me Hareton enquanto prepara o jantar e, quando estiver pronto, deixe-me jantar com você. Quero fazer as pazes com minha consciência e me convencer de que Heathcliff não faz ideia de nada disso. Ele não faz, não é mesmo? Não sabe o que é estar apaixonado!

– Não vejo razão para que ele não saiba tão bem quanto a senhorita – respondi. – E se for a escolhida dele, ele vai ser a criatura mais infeliz que já veio ao mundo! Assim que se tornar sra. Linton, ele há de perder a amiga, a amada, tudo! Já se perguntou como ele vai suportar a separação, e como vai suportar estar abandonado no mundo? Porque, srta. Catherine...

– Ele, abandonado! Nós dois, separados! – exclamou ela, num tom de indignação. – Quem vai nos separar, diga-me? Terão o destino de Mílon!49 Ninguém vai ousar fazer isso enquanto eu viver, Ellen. Todos os Linton do mundo podem desaparecer no nada antes que eu consinta em esquecer Heathcliff. Não, não é isso que pretendo... não é o que quero dizer! Não me tornaria a sra. Linton se o preço a pagar fosse tão alto! Ele vai ser para mim tudo o que sempre foi, a vida toda.