Assim que entra por uma porta, o rapaz sai pela outra, e a própria patroa sai de sassaricos por aí. Que comportamento, esse, ficar pelos campos depois da meia-noite com aquele cigano maldito, aquele demônio do Heathcliff! Acham que sou cego, mas não sou: longe disso! Vi o jovem Linton chegando e indo embora, e vi você – dirigindo a mim seu discurso –, você, sua bruxa imprestável, correr para dentro de casa no instante em que ouviu o cavalo do patrão se aproximando!
– Cale a boca, velho bisbilhoteiro! – exclamou Catherine. – Não admito essa insolência na minha frente! Edgar Linton veio ontem por acaso, Hindley, e fui eu quem o mandou embora, porque sabia que você não ia querer encontrá-lo naquele estado.
– Está mentindo, Cathy, não tenho dúvidas – respondeu o irmão –, e é uma tola! Mas deixe Linton para lá, por enquanto, e me diga: esteve ou não com Heathcliff ontem à noite? Fale a verdade. Não precisa ter medo de prejudicá-lo; embora eu continue a odiá-lo, a boa ação que me fez há tão pouco tempo me deixa com a consciência pesada ante o desejo de partir seu pescoço. Para evitar que isso aconteça, vou expulsá-lo de casa agora mesmo pela manhã, e, depois que ele se for, é melhor andarem nos eixos, do contrário vão sofrer as consequências, ainda mais do que antes.
– Não vi Heathcliff ontem à noite – respondeu Catherine, começando a soluçar amargamente. – E se o expulsar de casa, vou junto. Mas talvez você não venha a ter essa oportunidade... talvez ele tenha ido embora. – E irrompeu num pranto incontrolável, entremeado de palavras desarticuladas.
Hindley despejou sobre ela uma torrente de impropérios irônicos e lhe ordenou que fosse imediatamente para o seu quarto, ou ia lhe dar motivos para chorar! Forcei-a a obedecer; nunca vou esquecer a cena que ela fez ao chegar no quarto: aterrorizou-me. Pensei que estivesse enlouquecendo e implorei a Joseph que fosse correndo chamar o médico.
Era o começo do delírio. O dr. Kenneth, assim que a viu, disse que estava seriamente enferma; tinha febre.
Sangrou-a, orientou-me a dar a ela uma dieta de soro de leite e mingau, e a tomar cuidado para que não se atirasse do alto da escada ou da janela. Com isso, partiu, tendo muito o que fazer na paróquia, onde três ou quatro quilômetros eram a distância comum entre as casas.
Embora não possa me gabar de ter sido uma enfermeira muito calma – e Joseph e o patrão não foram melhores do que eu –, e apesar de nossa paciente ser extremamente fastidiosa e teimosa, o fato é que se recuperou.
A velha sra. Linton veio nos visitar em várias ocasiões, para supervisionar o processo e botar regra nas coisas, dando ordens e distribuindo reprimendas. Quando Catherine estava já convalescendo, insistiu em levá-la para Thrushcross Grange – e ficamos gratos por nos vermos livres do fardo. A pobre dama, porém, teve razões para se arrepender da gentileza: tanto ela quanto o marido contraíram a febre e morreram num intervalo de poucos dias um do outro.
Nossa mocinha voltou para nós ainda mais cheia de caprichos e impertinente. De Heathcliff não tínhamos notícias desde a noite da tempestade; um dia, quando ela me provocou demais, tive a má ideia de culpá-la pelo desaparecimento do rapaz – o que não era mais do que a pura verdade, como ela bem sabia. A partir desse momento, passou vários meses sem me dirigir a palavra, a não ser como mera criada. Joseph também foi banido. Ele dizia o que pensava e fazia sermões do mesmo jeito, como se ela fosse uma menininha; Catherine, porém, considerava-se uma mulher e nossa patroa, e achava que sua recente enfermidade lhe dava o direito de ser tratada com consideração. Além disso, o médico disse não ser recomendável contrariá-la; as coisas tinham que ser feitas ao seu jeito, e seria crime, aos olhos dela, se alguém tentasse se opor a ela ou contradizê-la.
Mantinha distância do sr. Earnshaw e de seus amigos. Seu irmão, instruído por Kenneth e para não lhe provocar ataques de nervos, concedia-lhe tudo o que lhe dava na ideia exigir e evitava de todos os modos exasperá-la. Era por demais indulgente ao lhe satisfazer todos os caprichos; não por afeto, mas por orgulho: desejava muito vê-la honrar a família por meio de uma aliança com os Linton, e, contanto que ela o deixasse em paz, podia nos tratar a todos como escravos, ele não dava a mínima!
Edgar Linton, como tantos antes dele e tantos depois, estava apaixonado e se sentiu o homem mais feliz do mundo ao levá-la para a capela de Gimmerton, três anos depois da morte do pai.
Muito contra a minha vontade, fui persuadida a deixar Wuthering Heights e vir para cá com ela. O pequeno Hareton estava com quase cinco anos, e eu começara a alfabetizá-lo. Nossa despedida foi triste, mas as lágrimas de Catherine foram mais poderosas do que as nossas. Quando me recusei a acompanhá-la, e ela viu que suas súplicas não me comoviam, foi se queixar com o marido e com o irmão. O primeiro me ofereceu um salário magnífico; o segundo ordenou-me que fizesse as malas: não queria mulheres em casa, agora que já não havia uma patroa; quanto a Hareton, o pároco cuidaria de orientá-lo. Assim, não tive outra escolha além de obedecer às ordens. Falei ao patrão que ele se desfazia de todas as pessoas decentes só para se arruinar um pouco mais depressa; beijei Hareton e disse adeus.
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