Virei-me para ver quem falava, apreensiva, pois as portas estavam fechadas e eu não vira ninguém se aproximar dos degraus.
Algo se moveu no alpendre. Ao me aproximar, distingui um homem alto vestindo roupas escuras, rosto e cabelos também escuros. Ele se apoiava na moldura da porta e tinha os dedos na tranca, como se pretendesse abri-la.
“Quem será?”, pensei. “O sr. Earnshaw? Não! A voz não se parece em nada com a dele.”
– Faz uma hora que estou esperando – prosseguiu ele, enquanto eu o fitava –, e, durante esse tempo, nada por aqui se moveu, como se todos tivessem morrido. Não tive coragem de entrar. Não me reconhece? Olhe bem, não sou um estranho!
O luar iluminou seu rosto. As faces eram pálidas e meio cobertas por um bigode preto, a testa carregada, os olhos fundos e muito singulares. Eu me lembrava daqueles olhos.
– O quê! – exclamei, sem saber se devia considerá-lo um visitante deste mundo, e ergui as mãos, espantada. – O quê! Você voltou? É mesmo você?
– Sim, sou eu, Heathcliff – respondeu ele, desviando os olhos de mim e fitando as janelas, que refletiam uma série de luas brilhantes, mas não revelavam nenhuma luz vinda de dentro. – Eles estão em casa? Onde está ela? Nelly, você não está contente! Não precisa ficar tão perturbada. Ela está aqui? Diga-me! Quero ter uma palavrinha com ela, a sua patroa. Vá e diga que alguém de Gimmerton deseja vê-la.
– Como ela há de reagir? – exclamei. – O que vai fazer? Se a surpresa me desnorteia, vai deixá-la fora de si! E você é Heathcliff! Mas tão mudado! Não, não posso compreender. Por acaso esteve servindo como soldado?
– Vá transmitir meu recado – interrompeu ele, impaciente. – Não vou ter paz até que faça isso.
Levantou a tranca e eu entrei, mas quando cheguei à sala onde estavam o sr. e a sra. Linton, não consegui ir adiante.
Por fim decidi, como pretexto, perguntar se queriam que eu acendesse as velas, e abri a porta.
Os dois estavam sentados junto a uma janela cuja gelosia aberta deixava ver, para além das árvores do jardim e do parque verdejante, o vale de Gimmerton, com uma longa faixa de neblina chegando-lhe quase ao topo (pois logo depois de passar a capela, como deve ter notado, o canal que corre da charneca se une a um riacho, que por sua vez acompanha a curva do vale). Wuthering Heights erguia-se acima daquele vapor prateado, mas nossa antiga casa não era visível; na verdade debruça-se mais sobre o outro lado.
Tanto a sala quanto seus ocupantes e a paisagem que contemplavam pareciam maravilhosamente serenos. Eu relutava muito em transmitir o recado e estava a ponto de ir-me dali sem fazê-lo, depois de perguntar sobre as velas, quando um desvario qualquer me fez voltar e murmurar:
– Uma pessoa de Gimmerton deseja vê-la, senhora.
– A respeito do quê? – perguntou a sra. Linton.
– Não perguntei – respondi.
– Bem, feche as cortinas, Nelly – disse ela –, e traga o chá. Já volto.
Saiu da sala, e o sr. Edgar perguntou, com indiferença, quem era.
– Alguém que a patroa não espera – respondi. – Aquele Heathcliff... o senhor se lembra dele, o rapaz que morava na casa do sr. Earnshaw.
– O quê? O cigano... o moço do arado? – exclamou. – Por que não avisou a Catherine?
– Psiu! O senhor não devia chamá-lo por esses nomes – disse. – Ela ficaria muito triste se escutasse. Ficou inconsolável quando ele sumiu.
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