Linton, em memória dos velhos tempos, deseja que eu lhe ofereça uma recepção cordial; e eu, claro, fico satisfeito quando acontece algo que lhe dá prazer.

– Eu também – respondeu Heathcliff –, sobretudo quando se trata de algo de que participo. Fico uma hora ou duas, com prazer.

Sentou-se diante de Catherine, que não desgrudava os olhos dele, como se temesse que ele viesse a desaparecer se ela o fizesse. Heathcliff não erguia o olhar para ela com frequência; uma olhadela de relance vez por outra era suficiente. Mas seu olhar refletia, com confiança crescente, a alegria incontida que bebia no dela.

Estavam por demais absorvidos em seu mútuo contentamento para se sentir constrangidos. Quanto ao sr. Edgar, o mesmo não acontecia com ele, estava cada vez mais lívido de aborrecimento, o qual chegou ao clímax quando sua esposa se levantou e, cruzando o tapete da sala, segurou as mãos de Heathcliff mais uma vez e riu como se estivesse fora de si.

– Amanhã vou achar que tudo isso foi um sonho! – exclamou. – Não vou acreditar que pude vê-lo, tocá-lo e falar com você mais uma vez. Ainda que você não mereça ser tão bem recebido, Heathcliff, você foi cruel! Ficar ausente, sem mandar notícias, durante três anos, sem nunca pensar em mim!

– Pensei um pouco mais do que você em mim – murmurou ele. – Ouvi falar do seu casamento, Cathy, não faz muito; e, enquanto esperava no pátio lá embaixo, tracei o seguinte plano: vislumbrar seu rosto brevemente, uma expressão de surpresa, talvez, e prazer fingido; em seguida acertar contas com Hindley e então antecipar-me à lei, dando cabo de mim mesmo. A sua boa acolhida afastou essas ideias de minha cabeça; mas cuidado para não me receber de modo diferente da próxima vez! Não, você não vai mais me afastar. Sentiu mesmo pena de mim, não foi? Bem, com razão. Lutei muito e tive uma vida difícil desde que ouvi sua voz pela última vez. E deve me perdoar, pois lutei só por você!

– Catherine, a menos que você queira tomar chá frio, venha para a mesa, por favor – interrompeu Linton, tentando manter o tom de voz habitual e um mínimo de cordialidade. – O sr. Heathcliff tem uma longa caminhada pela frente, onde quer que vá se hospedar hoje à noite, e estou com sede.

Ela tomou seu lugar diante do bule de chá, e a srta. Isabella entrou, chamada pelo sino; então, depois de ajudá-los a se sentar, deixei a sala.

O chá mal demorou dez minutos. A xícara de Catherine permaneceu vazia; não conseguia comer nem beber coisa alguma. Edgar fez uma poça em seu pires e mal tocou na comida.

Seu convidado não ficou mais do que uma hora. Perguntei-lhe, à saída, se ia para Gimmerton.

– Não, vou para Wuthering Heights – respondeu. – O sr. Earnshaw me convidou, quando fui visitá-lo hoje pela manhã.

O sr. Earnshaw convidando a ele! E ele visitando o sr. Earnshaw! Refleti muito sobre aquilo, depois que Heathcliff se foi. “Será que está se tornando um hipócrita, voltando para cá a fim de fazer o mal sob um disfarce de cordialidade?”, perguntei-me. Tinha um pressentimento, no fundo do coração, de que teria sido melhor se não tivesse voltado.

No meio da noite, fui acordada pela sra. Linton, que se esgueirou para dentro do meu quarto, sentou-se à beira da minha cama e puxou meu cabelo, a fim de me despertar.

– Não consigo dormir, Ellen – disse, à guisa de desculpas. – E preciso que alguma criatura viva me faça companhia na felicidade! Edgar está mal-humorado, porque o que me deixa contente é algo que não lhe interessa. Recusa-se a abrir a boca, a não ser para fazer uns discursos rabugentos e tolos. E imagine que me acusou de ser cruel e egoísta por querer conversar quando ele estava se sentindo enfermo e cheio de sono. Sempre inventa uma doença quando qualquer coisinha o aborrece! Fiz alguns elogios a Heathcliff, e ele, não sei se de dor de cabeça ou de inveja, começou a chorar.