Era, também, o que vivia em melhores relações com a viúva, a quem chamava mamã, segurando-a pela cintura, gesto carinhoso que era pouco compreendido! A boa mulher julgava que a coisa ainda era fácil, mas Vautrin era o único que tinha os braços suficientemente longos para enlaçar aquela pesada circunferência. Um traço de seu caráter era pagar generosamente quinze francos pelo ponche de café e aguardente que tomava à sobremesa. Pessoas menos superficiais que esses rapazes, arrastados pelos turbilhões da vida parisiense, ou esses velhos, indiferentes ao que não lhes dizia respeito diretamente, não teriam ficado inativos ante a impressão suspeita que lhes causava Vautrin. Ele conhecia ou descobria os negócios dos que o cercavam, ao passo que ninguém podia penetrar em seus pensamentos nem em suas ocupações. Embora tivesse erguido sua aparente bonomia, sua constante condescendência e sua alegria como uma barreira entre si e os outros, muitas vezes deixava perceber a espantosa profundidade de seu caráter. Frequentemente, uma facécia digna de Juvenal, e pela qual parecia divertir-se em ridicularizar as leis, criticar a alta sociedade e convencê-la de inconsequência consigo mesma, permitia supor que ele guardava algum rancor contra o estado social e que possuía, no fundo de sua existência, um mistério cuidadosamente escondido.
Atraída, talvez involuntariamente, pela força de um e pela beleza do outro, a srta. Taillefer repartia seus olhares furtivos e seus pensamentos secretos entre o quarentão e o jovem estudante. Nenhum deles, porém, parecia preocupar-se com ela, muito embora, de um dia para outro, o acaso pudesse alterar sua posição e transformá-la num rico partido. Nenhuma daquelas pessoas, por outro lado, se dava ao trabalho de verificar se os infortúnios que as outras alegavam eram falsos ou verdadeiros. Tinham todas, umas pelas outras, uma indiferença misturada a desconfiança, que resultava de suas respectivas situações. Sabiam-se impotentes para mitigar suas penas e tinham todas, ao contá-las, esgotado a taça das condolências. Como velhos esposos, nada mais tinham a se dizer. Não restava entre elas mais que as relações de uma vida automática, o funcionamento de engrenagens sem óleo. Deviam todas cruzar indiferentes por um cego, escutar sem emoção a narração de um infortúnio e ver na morte a solução de um problema de miséria que as tornava insensíveis à mais terrível agonia. A mais feliz dessas almas desoladas era a sra. Vauquer, que imperava nesse asilo privado. Somente para ela o pequeno jardim, que o silêncio e o frio, a aridez e a umidade faziam grande como uma estepe, parecia um aprazível arvoredo. Somente para ela aquela casa amarela e soturna, que tresandava o azinhavre do balcão, encerrava delícias. Pertenciam-lhe aquelas masmorras. Alimentava aqueles forçados condenados a penas perpétuas, exercendo sobre eles uma autoridade respeitada. Onde teriam aqueles infelizes encontrado, em Paris, pelo preço que ela cobrava, alimentos sãos, abundantes e um quarto que eles tinham o direito de tornar, se não elegante ou cômodo, pelo menos limpo e salubre? Se ela se tivesse permitido uma injustiça clamorosa, a vítima a teria suportado sem queixa.
Tal reunião devia oferecer, e oferecia, em miniatura, os elementos de uma sociedade completa. Entre os dezoito convivas havia, como nos colégios, como no mundo, uma pobre criatura desprezada, um saco de pancadaria sobre quem choviam todas as brincadeiras. No começo do segundo ano, essa figura constituiu, para Eugênio de Rastignac, a mais saliente de todas aquelas no meio das quais estava condenado a viver ainda durante dois anos. Essa vítima era o antigo fabricante de massas, o pai Goriot, sobre cuja cabeça um pintor, como o historiador, teria feito recair toda a luminosidade do quadro. Por que acaso esse desprezo meio odioso, essa perseguição misturada a piedade, essa falta de respeito pela desgraça haviam desabado sobre o mais antigo pensionista? Ele mesmo os teria provocado por um desses ridículos ou dessas singularidades que perdoamos menos que os vícios? Essas questões relacionam-se de perto com muitas injustiças sociais. Talvez seja próprio da natureza humana fazer tudo suportar a quem tudo tolera, por verdadeira humildade, por fraqueza ou por indiferença. Não gostamos, todos nós, de comprovar nossa força à custa de alguém ou de alguma coisa? O mais fraco de todos os seres, o garoto vadio, toca a campainha de todas as portas quando cai neve ou ergue-se nas pontas dos pés para rabiscar seu nome num monumento virgem.
O pai Goriot, ancião de cerca de sessenta e nove anos, fora morar na casa da sra. Vauquer em 1813, após ter abandonado a atividade comercial. Tomara, ao chegar, o apartamento agora ocupado pela sra. Couture e pagava, então, mil e duzentos francos de pensão, como um homem para quem cinco luíses a mais ou a menos eram uma ninharia.
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