Num pedaço de terra do tamanho desta sala, quanta vida cabe?
— Pouca — respondeu Pedrinho. Uns animais grandes, umas plantas, uns bichinhos e os micróbios. Só.
— Exatamente. Mas num pedaço de mar do tamanho desta sala cabe um colosso de vida, porque esse pedaço de mar pode descer até 9.000 metros de fundo, como no Mar do Japão, e está cheio de vida desde cima até embaixo. Por esse motivo a fauna e a flora do mar são imensas, muitíssimo mais ricas que a fauna e a flora da terra. Os cetáceos e os peixes representam as formas graúdas de vida marinha — as baleias, os tubarões, os espadartes, os atuns, os salmões, os arenques. Mas muito mais que isso são as formas da vida miudinha, que em vez de nadar bóia na imensa massa líquida. Se a flora e fauna miúda fossem juntadas num bloco, dariam uma montanha muito maior que a formada de todos os peixes. Ora, toda essa vidalhada está nascendo e morrendo sem parar — e o que morre afunda. Em virtude disso há no mar uma perpétua chuva de organismos mortos, que vão caindo e se acumulando no fundo, onde formam uma camada de lodo negro, ou um sedimento. Tudo que se deposita é um sedimento, como já mostrei.
— Bolas! — exclamou Emília. Então o dinheiro que Dona Benta depositou no banco é um sedimento?
O Visconde coçou a cabeça. Emília atrapalhava-o com aquelas objeções de bobagem. Mas continuou, sem dar-lhe resposta:
— Esses sedimentos de animálculos e vegetais mortos cobrem o fundo dos mares, de modo que aquilo não passa dum imenso cemitério de matéria orgânica.
— Que quer dizer matéria orgânica?
— É a matéria que compõe os vegetais e os animais, isto é, as coisas dotadas de órgãos. Orgânico vem de órgão. Só têm órgãos as coisas que têm vida. A matéria que forma os minerais chama-se matéria inorgânica.
O
Visconde tossiu — cuspiu e prosseguiu:
— Bem. Nas regiões marinhas próximas das terras, sobretudo nos golfos, parte desse lodo negro do fundo do mar foi recoberto, há milhões de anos, pelas areias e argilas que os rios despejam no mar. Como já vimos, a erosão desagrega as rochas e por meio dos rios as conduz para o mar. Por isso os continentes estão sempre a diminuir de volume e o fundo do mar está sempre a crescer de altura. Os sábios calculam, por exemplo, que cada mil toneladas de material pulverizado extraído do continente, de modo que em cada dez mil anos o tal golfo fica mais raso um metro. No fim de 7 milhões de anos estará completamente aterrado. Aqui no Brasil temos o Amazonas que, segundo os cálculos de Euclides da Cunha, leva para o mar 3 milhões de metros cúbicos de detritos por dia, ou sejam quase dois quilômetros cúbicos por ano. Mas esses detritos não se acumulam logo adiante do despejo do Amazonas, por causa da velocidade da correnteza na foz. São levados mar adentro até alcançarem a célebre corrente do Golfo do México, e no fundo deste golfo se depositam, de mistura com os detritos do Mississipi.
— Quer dizer então que o Brasil também fornece aterro para o Golfo do México?
— Sim, e em boa quantidade. Manda para lá quase dois quilômetros cúbicos de terra amazônica por ano.
— Mas assim a região amazônica vai se abaixando e acabará invadida pelo mar...
— Muito possível. Essa região já foi mar, antes do enrugamento da terra que criou a Cordilheira dos Andes. Era um mar que ligava o Atlântico ao Pacífico. Hoje é um aguaçal doce, de tanto rio que há lá; e como esses rios não param de desmontar as terras, acabarão baixando-as tanto que a água do mar cobrirá novamente a bacia amazônica, formando o futuro Golfo do Amazonas. Por esse tempo o Golfo do México estará aterrado.
— Bonito! — protestou Pedrinho.
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