Passei a noite em claro. Tomei três chávenas de café!...

O conselheiro acudiu, com a mão espalmada:

– Cuidado, senhor Ledesma, cuidado! Prudência com esses excitantes! Por quem é, prudência!

– A mim não me faz mal, senhor conselheiro – disse sorrindo. – Escrevi-o em três horas! Venho de lho mostrar agora. Até o tenho aqui...

– Leia, senhor Ernesto, leia! – exclamou logo dona Felicidade.

Que lesse! que lesse! por que não lia?

Era uma maçada!... Era um rascunho!... Enfim, como queriam!... E radiante desdobrou, no silêncio, uma grande folha de papel azul pautado.

– Eu peço desculpa. Isto é um borrão. A coisa não está ainda com todos os FF e RR. – Fez então voz teatral: – Ágata!... É a mulher; isto aqui é a cena com o marido, o marido já sabe tudo...

ÁGATA

(caindo de joelhos aos pés de Júlio)

– Mas mata-me! Mata-me, por piedade! Antes a morte, que ver, com esses desprezos, o coração rasgado fibra a fibra!

JÚLIO

– E não me rasgaste tu também o coração? Tiveste tu piedade? Não. Retalhaste-mo! Meu Deus, eu que a julgava pura, nessas horas em que arrebatados...

O reposteiro franziu-se. Sentiu-se um fino tilintar de chávenas. Era Juliana, de avental branco, com o chá.

– Que pena! – exclamou Luísa. – Depois do chá se lê. Depois do chá.

Ernesto dobrou o papel, e, com um olhar de lado para Juliana, rancoroso:

– Não vale a pena, prima Luísa!

– Ora essa! É lindo! – afirmou dona Felicidade.

Juliana pousava sobre a mesa o prato das fatias, os biscoitos de Oeiras, os bolos do Cocó.

– Aqui tem o seu chá fraco, conselheiro – dizia Luísa. – Sirva-se, Julião. As torradas ao senhor Julião! Mais açúcar! Quem quer? Uma torrada, conselheiro?

– Estou amplamente servido, minha prezada senhora – replicou, curvando-se.

E declarou, voltado para Ernestinho, que achava o diálogo opulento.

– Mas – perguntaram – o que quer o empresário mais agora? Já tem a sala...

Ernestinho, de pé, excitado, com um bolo de ovos na ponta dos dedos, explicou:

– O que o empresário quer é que o marido lhe perdoe...

Foi um espanto:

– Ora essa! É extraordinário! Por quê?

– Então! – exclamou Ernestinho, encolhendo os ombros – diz que o público que não gosta! Que não são coisas cá para o nosso país.

– A falar a verdade – disse o conselheiro –, a falar a verdade, senhor Ledesma, o nosso público não é geralmente afeto a cenas de sangue.

– Mas não há sangue, senhor conselheiro! – protestava Ernestinho, erguendo-se sobre os bicos dos sapatos – mas não há sangue! É com um tiro. É com um tiro pelas costas, senhor conselheiro!

Luísa fez a dona Felicidade – pst! e, num aparte, com um sorriso:

– Desses bolinhos de ovos. São muito frescos!

Ela respondeu, com uma voz lamentosa:

– Ai, filha, não!

E indicou o estômago, compungidamente.

No entanto o conselheiro aconselhava a Ernestinho a clemência: tinha-lhe posto a mão no ombro paternalmente, e com uma voz persuasiva:

– Dá mais alegria à peça, senhor Ledesma. O espectador sai mais aliviado! Deixe sair o espectador aliviado!

– Mais um bolinho, conselheiro?

– Estou repleto, minha prezada senhora.

E, então, invocou a opinião de Jorge. Não lhe parecia que o bom Ernesto devia perdoar?

– Eu, conselheiro? De modo nenhum. Sou pela morte. Sou inteiramente pela morte! E exijo que a mates, Ernestinho!

Dona Felicidade acudiu, toda bondosa:

– Deixe falar, senhor Ledesma. Está a brincar. E ele então que é um coração de anjo!

– Está enganada, dona Felicidade – disse Jorge, de pé, diante dela. – Falo sério e sou uma fera! Se enganou o marido, sou pela morte. No abismo, na sala, na rua, mas que a mate. Posso lá consentir que, num caso desses, um primo meu, uma pessoa da minha família, do meu sangue, se ponha a perdoar como um lamecha! Não! Mata-a! É um princípio de família. Mata-a quanto antes!

– Aqui tem um lápis, senhor Ledesma – gritou Julião, estendendo-lhe uma lapiseira.

O conselheiro, então, interveio, grave:

– Não – disse –, não creio que o nosso Jorge fale sério.